Meu amor,
Eu sei, eu prometi. Não mais te procurar, e não mais tentar. Contudo, não consigo. Foi profundo, forte e intenso demais para esquecer. Sobretudo, uma demonstração, que nunca mais verei na vida, de tão sincronizada reciprocidade – diria: inexplicável. A conversa desconcertada do começo, gaguejante e incerta de minha parte, nervosismo e tantas coisas por falar, até a coragem do primeiro toque, em tuas mãos. Daí, o que se seguiu foi apenas os sentimentos se encontrando. A conversa peripatética mostrando a afinidade subjacente pelo quadrilátero das mangueiras. A ida à livraria, não havia lugar mais apropriado para dois amantes de livros conversarem e conversarem... Quando estávamos conversando, falei da frase do Jorge Luís Borges ou alguém que me foge a memória que dizia ter a impressão de que o paraíso, por um acaso, seria parecido com uma livraria. Concordei com essa idéia de vez nesse dia – por mais metafísica que ela possa parecer. Foi algo indescritível o momento no qual senti os teus braços me envolverem e o contato dos teus tenros cabelos contra a minha face. Eu esperava esse dia a muito. De sentir o teu cheiro e a textura dos teus lindos cabelos crespos. Ao olhar-te nos olhos e receber um beijo tácito, envergonhado e intenso, em meio a suspiros e afagos. Reitero, nos encontramos. O que se seguiu no banquinho da praça foi apenas o prolongamento da livraria. Aquela tarde está na memória: deitado no teu colo, conversando, beijando e recebendo carinhos da minha amada. É impossível esquecer teu cheiro, teus beijos e afagos. Ali conquistastes um lugar definitivo no meu coração. Minhas memórias e lembranças são insistentes em trazer a lume aquele dia, aquela tarde feliz na qual nos encontramos. Minha linda, aquela tarde ainda vive em mim, dando-me alento e pesar, meu amor, não quero perder-te. De facto, foi um encontro. Depois que me falastes e me esclarecestes muitas coisas, percebi que ele foi tardio. Porém, aconteceu de forma mágica e real. Como deveria acontecer, na proporção mais exata, e melhor do que qualquer planejamento. Foi um realismo fantástico. Admito que a minha abordagem inicial não foi das melhores, ou a mais adequada. Não agüentava mais, os sentimentos estavam a soltar-se da garganta e a jorrar pelos olhos. Tinha que lhe falar, em qualquer hipótese. Esse momento, o da revelação, vinha sendo gestado a muito, pensado, sopesado e planejado nas miudezas dos detalhes. Na verdade, ele tem início no primeiro momento que te vi. E se consolidou, a partir do momento em que começamos a nos falar com mais freqüência. Dizes com todo o furor e certeza que não me conheces e desconfias de mim. Reputas a amizade como o único laço que nos une. Quando ouço tais sentenças, acabo por ver coerência no teu pensamento, mas eles não correspondem a realidade, principalmente, a realidade do que sinto. Dizes que cheguei tarde, que um dia, um dia longínquo gostastes de mim, e como não correspondia, me esquecestes. Essas palavras, esses atrasos, esses erros contigo, caem sobre mim como um crime, que estou recebendo agora o injusto e imerecido castigo: ficar sem ti. Mas esse castigo é maior do que as minhas capacidades podem suportar. Muito, muito maior. A sentença final, mesmo que soubesse, veio de tua boca, da qual não devia ouvir: que ias embora para Europa. Europa!! – algo tão terrível para me separar de vez de ti. Quando soou “embora”, foi a lâmina da guilhotina a cair no seu ímpeto cortante de fazer justiça a qualquer custo e pelas próprias mãos, que desferiu seu golpe mortal sobre minhas esperanças de Florentino. “O meu amor de uma vida”, dizia que estava partindo. E pediu para que não alimentasse as esperanças de Florentino. Nem minha Fermina quis ser. Dissestes que a resolução de tal impasse seria por meio de uma escolha, e não titubeastes: escolhestes o exílio, uma nova vida. Neste dia, na verdade, madrugada, disse-te, com lágrimas aos olhos e o coração dilacerado: desisto, diante de tal escolha, desisto de ti, meu amor, pois me dói ver-te confusa como estavas. Desisti, por considerar, e o meu coração dizia isso, que serás feliz com a partida. E eu quero, mais que ninguém, ver-te feliz, quero ver meu amor feliz. Minha linda feliz. Confesso, disse isso. E quero de facto ver-te feliz. Mas sinto sua falta. Por mais que conversemos, e tenhamos concordado o firme contrato de sermos amigos, como de facto somos. Eu sinto mais. Aquela tarde ainda vive em mim. Meu amor, nem preciso dizer que o meu normal não é assim, demasiado chato, piegas e romântico, sou assim contigo. Sei que desconfias e dizes que não me conheces em razão de nossas distâncias e antagonismos. Mas as nossas aproximações e afinidades são de igual força, e tenho certeza, bem maiores que nossas distâncias. Nós conseguimos criar o que o Gilberto Freyre chama, óbvio que para entender outras questões e em outro contexto, de “equilíbrio de antagonismos” – desculpe o ranço acadêmico. Nós criamos um equilíbrio, a partir da nossa amizade. E iniciamos um amor, a partir daquele encontro. “O amor como estado de graça, que não é meio para nada, e sim, origem e fim em si mesmo”. Desculpe – sei até o que deves está pensando, depois de ter escrito tudo isso, sem a menor criatividade e cheio de erros de português, é, a gramática que vive em ti aparece nessas horas (risos), ele vem pedir desculpas, esse menino é incorrigível mesmo, não se emenda -, mas tinha que escrever-te. Pensei em fazê-lo a mão para guardares, sei lá, porém, como a minha letra é como é, tá, admito que não é das melhores, achei por bem escrever por aqui mesmo – pela máquina de escrever. Diante da tua decisão, a qual eu obedeci, apenas escrevi essas singelas linhas para saberes disso. E que tenho saudade. E preciso te ver, necessito te ver – mas isso está subtendido, como errei por muito tempo em ser assim, tais linhas acabam por dizer esses anseios, de modo direito ou indireto. Preciso de ti. E cada vez mais uma certeza ratifica-se no meu íntimo: és o amor da minha vida. Reitero minhas desculpas, mas havia de lhe falar, tinha que lhe dar ciência desses sentimentos recônditos, às claras.
Do seu Felipov.
(Felipov)