sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Despedida

Ela se foi ontem. Sem despedida. Sem remorsos e resignações. Disse-me que havia encontrado o amor de sua vida: óbvio, ele não era eu. Eu sabia que as coisas não estavam bem. Havia muitos silêncios, conversas sobre o trabalho e reclamações. Cobranças, desconfianças e ciúmes. Pesar, muito pesar. Era um sentimento de solidão a dois. De companhia só. Sem carinhos, admiração e encanto. Apenas um compromisso sem sentido. Até as afinidades compartilhadas, eram aparentes. Nós planejamos uma vida juntos, nome dos filhos, um casal: Clarissa e Ivan, uma casa no campo para os fins-de-semana, um cão e um gato. Uma família de margarina. Acabou. Fim. Amei-a muito. Como sempre, o início é a melhor parte, a melhor parte de tudo. Os olhares trocados, a vontade instintiva de se ver, o coração arrítmico, as mãos a desaguar de nervosismo. Todas as manifestações do amor da primeira hora. Para outros, da paixão pura e simples. Porém, hoje digo: os primeiros passos em direção a ilusão. Ela se foi. E invariavelmente, levou uma parte de mim. Falou-me, secamente, que era para lhe esquecer. Era sério, impreterível e irremediável. Foi embora com o meu amigo. Não o culpo, ela tem os seus encantos. Fico até feliz que tenha sido com ele, é um conhecido. Disse que se casam no mês que vêm e vão morar fora do país. E que está grávida. Suspeita que seja menina, e vai dar o nome de Sofia – ela sabe que adoro esse nome. Não sei por qual razão eu senti um alívio nisso tudo. Só fiquei irritado porque chorei, uma mera reação fisiológica as emoções, e que ela levou a minha edição bilíngüe do Dom Quixote, uns dois livros do Gárcia Marquez, o tomo I do Capital e dois discos de Noel e Cartola. Irritei-me, mas depois resignei. Espero, que com essas aquisições forçadas, ela dê uma formação decente a criança. E seja feliz, de verdade, com toda a sinceridade. Pois, cá eu, fico apenas com o alívio de um amor que se foi com a tranqüilidade dos tempos de madureza.
(Felipov)

domingo, 15 de agosto de 2010

Sou velho

Taciturno, lacônico e levemente irritado, depois de um dia cansativo de trabalho, fui tomar um capucchino. Precisava relaxar. Poucas coisas causam tanto prazer quanto uma xícara gelada de capucchino – óbvio que quente também. O gosto do café, chocolate e canela me alegram. Cada gole me faz feliz. Ao lado disso, uma bela fatia de bolo de macaxeira e café com pupunha – é, a gula é um pecado que me apraz. Esses manjares me faz lembrar a infância saudável e amável que tive. A cada gole do capucchino, observei que o café que freqüento, tocava música ao vivo, na verdade, piano ao vivo. Eram goles sonoros de deleite. De pronto, gostei do lugar. Gostei do ambiente: simples, sóbrio, discreto e intimista. No deliciar do capucchino e da música, que, por sinal, o repertório do pianista era muito bom, fui atentar para as pessoas alhures. Na maioria, idosos. Quer dizer, somente idosos. Conversavam, riam, tomavam café e apreciavam a música. Velhinhas bem vestidas com as suas pérolas. Velhinhos alinhados com suas gravatas borboletas e suspensórios. Ouvi alguns diálogos. Uns tratavam de jazz, outros debatiam preferências entre o samba de Noel e Cartola, outros ainda, a validade do liberalismo no mundo atual. De súbito, identifiquei-me com tudo aquilo. Senti-me ternamente incluído. Senti-me acolhido junto aquelas pessoas estranhas de outra geração. Na verdade, ponderei melhor, elas eram familiares e eu que estava na geração errada, eu pertencia a deles. De facto, nasci na época errada. Percebi que sou um jovem idoso, com os gostos e comportamentos de outrora. Sou velho e isso nunca soou tão bem e fidedigno.
(Felipov)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Precisamos dos ovos

Um homem chega ao médico
e diz: “meu irmão acha que é uma galinha”.
O médico responde: “ora, leve-o ao psiquiatra”.
O homem responde: “mas eu preciso dos ovos”.
Woody faz a analogia
desse diálogo com relacionamentos.
Sabemos os problemas
que eles causam:
ciúmes, desconfianças,
cobranças, desgostos,
etc, etc, etc.
Mas, o amor é uma ilusão
necessária, que dá sentido
e graça à vida.
Seguimos de ilusão em ilusão,
de solidão em solidão.
Da patética alegria da paixão,
o coração que acelera,
as mãos que umedecem,
de contar com alguém,
com a simples presença,
as conversas fortuitas,
o compartilhar momentos,
os carinhos, os abraços,
os beijos, o olhar sincero,
um colo e carinhos no cabelo
na beira da praia a noite.
É, Woody, de facto,
Precisamos dos ovos.
(Felipov)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O assalto

Vento e chuva,
eu aguardo.
“É um assalto”,
ouço uma voz.
A propriedade
é expropriada
dos meus bolsos.
Vagabundos, meliantes,
ladrões, filhos da puta,
caralho, porra.
Peço ajuda ao Estado.
Ele vem armado, pronto,
para a repreensão.
Não achou bandido,
não houve castigo.
Sempre apelamos
ao paliativo, ao imediato.
O desvalido não é o problema.
A ordem, o capital, a ignorância,
os malandros federais,
estes sim,
são o problema,
eles roubam um futuro,
no qual, o desvalido seja
apenas um poeta, um arquiteto,
um artista.
Podes achar: discurso velho.
Contudo, correto, infelizmente.
(Felipov)

Estrangeiro

Esses tempos
sinto-me um estrangeiro.
Sinto-me no não-lugar.
Um estranho.
Um inadaptado.
Um Outro.
Não há referência.
Não há lugar no
familiar, no corriqueiro.
Há, sim, cansaço, fadiga
de tudo, de sempre,
do mais do mesmo.
Da província, do local,
do focal, do estreito,
da bitola habitual.
Frio na praia,
conversas chatas,
escrever na praça,
diversão de graça,
solidão grata, e
amor na garrafa.
É disso que preciso.
(Felipov)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Mudança

Cá estava eu pensando
Sobre meus sentimentos
Dá certeza se te amo
De frustrar teus sentimentos
Agora, pensamento bem
Creio, cogito, pondero
Que não te ame mais
De tanto elucubrar, calcular
Acabei neste instante
De pena na mão
Chegando à conclusão
Concluo que errei
Errei, de tanto formular, sopesar
Eu pouco senti, pouco senti...

Gota D’água

Palavras abruptas
Faladas sem pensar
Ditas no impulso
No calor do temperamento
Desconfiança, ciúme
Falta de paciência
Medo da traição
Amor controlado
Não, por mais que goste
Quiçá, te ame
Não vejo futuro para nós
Não vislumbro uma vida juntos
Portanto, adeus...

Confissão

Escrevo-te na calada da noite
No incômodo da insônia
Em profusão de pensamentos e sentimentos
De amor, ternura, amizade, indecisão, separação
Do futuro de nossa relação
Confesso-te, tenho dúvidas
Quase certezas, digo certeza pela razão
Pelo custo-benefício
Contudo, dúvidas pelo sentimento
Sem cálculo ou mensuração
Porém, de tantos desgostos e infortúnios
Creio que os sentimentos concordam com a razão
Não dá mais, desculpe
Não te quero mais, lamento
Apenas uma última palavra:
Agradeço a paciência e sejas feliz!