sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Ciúme a priori

(Othello e Desdemona em Veneza por Théodore Chassériau *1819-1856*)
                                         

Tenho a impressão que as pessoas ciumentas são kantianas. Explico-me. Tive essa experiência. Felizmente, porque, enfim, alguma coisa se aprende.  Infelizmente, pelo desgaste, pela perda de tempo, pela vida gasta.  Fui casado com uma pessoa por 25 anos. Um quarto de século que pareceu uma eternidade. Foi um monstro moral na minha vida. Hoje, vendo em perspectiva, não acredito. Simplesmente não creio como pude me submeter tanto, ao ponto da vassalagem mórbida. Ela, naquele tempo, era linda, inteligente, forte, insegura, de cabelos crespos, branca e baixa. Hoje, é apenas uma pessoa estranha. Acho que sempre foi. Acreditei que a conhecia. Ledo engano. Devido sua personalidade forte, e considerar que era muito insegura e, sobretudo, por gostar muito dela, me submeti há um dos mais atrozes sentimentos humanos: o ciúme. Ele é uma questão de Ego. Sempre tive a impressão que pessoas ciumentas são inseguras em relação si mesmas, o que, em última instância, acaba por expressar o seu egocentrismo extremado. Ninguém me coloca na cabeça que ciúme é uma demonstração de sentimentos. Na verdade, é uma das formas mais deploráveis de mesquinhez humana. O ciúme é o Ego no seu estado mais patológico. É a pulsão esquizofrênica. É a idiotice disfarçada em sentimento. Enfim, se o amor começar a se desdobrar em ciúme, uma coisa fique bem clara: estou falando do ciúme extremo, claro que todos temos ciúme, em maior ou menor grau, mas se ele for extremo, procure um analista. A pessoa ciumenta, além, é claro, de egocêntrica, tem uma imaginação doentia. Ela cria toda uma realidade a priori. Inventa situações, idealiza fatos, ficciona intenções que nem o mais hábil romancista conseguiria fazê-lo. A desconfiança e a insegurança definem a sua forma de ver a relação amorosa. Amor? É apenas uma desculpa. Ela não ama o outro, senão, a si mesmo apenas. É o seu Ego querendo ser resguardado. Com esse intuito, faz um esforço hercúleo para idealizar a realidade em apriores. Ela não lida com fatos objetivos, com o que efetivamente acontece, com a realidade concreta. É mais conveniente fundar-se na idéia que é possível conhecer o mundo sob a ótica de seu modo de ver a realidade independente da experiência concreta. É um kantismo pelo avesso, de cabeça para baixo. De uma só vez, consegue construir uma versão dos fatos ou uma visão de uma situação cotidiana, que é totalmente desfavorável a pessoa com quem se relaciona, sempre colocando em xeque os seus sentimentos, ultrapassando qualquer tipo de comportamento ético que deveria mediar às relações humanas. O ciúme a priori é, também, uma questão de ética. O ato da desconfiança ostensiva e não ouvir o Outro, não respeitar a alteridade, e, sobretudo, de garantir a confiança está na raiz do que chamo de ciúme a priori – que, grosso modo, seria o ciúme infundado, é obviamente uma questão ética.  Acredito que o ciúme é uma dimensão do sentimento amoroso que se assenta na proteção e no bem querer – quando ele é saudável e fundado no respeito ao Outro e na confiança. Portanto, o ciúme é apenas uma questão de bom senso – sem a priores esquizofrênicos.  
 (Felipov)

2 comentários:

Camila Travassos disse...

Resumo tudo em uma mísera frase: falou e disse.

(:

Eduardo Rodrigues disse...

Repetindo minha pequena observação em torno da metodologia kantiana do ciúme: O ciumento promove um corte epistemológico do mundo em torno da pessoa "amada", de modo a isolá-la de todas as outras disciplinas humanas. Quer desse modo evitar toda e qualquer ligação entre esta pessoa e todo o resto, para resguardar uma autonomia que torna-se prisão.

Como o Kant fez com a disciplina normativa do Direito. Ele não pensa na razão de ser da lai, nem sua origem e nem sua finalidade. Como se esta não tivesse contexto histórico-social, nem nada. O que é simplesmente bizarro e inaceitável.

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