segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Separação



De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
(...)
Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
(Soneto de Separação – Vinícius de Moraes)


De repente, não mais que de repente, o fim eminente se desfechou. Aquele pesar se dissipou. Os silêncios se perpetuam. As discussões sem fundamento, lógica e razão perderam-se ao vento. A dor que sinto no peito permanece. O vazio impera. O sentimento de que foi vida gasta em vão. De que tudo é vão, e nada se sustenta nas idiossincráticas contradições do ser. O meu ser passa neste momento por uma transformação que não faço idéia de qual seja. Mas passa. Espero que isso seja bom. Embora uma vontade insana de chorar me domine. Todavia, não tenho lágrimas. O meu pranto calou-se. O meu pranto secou-se. Na mesma proporção que os meus sentimentos. Sentimentos rasos. Não sei mais o que significa “amor”, “paixão”. Parece-me que estou vivendo em um estado de suspensão, no qual as coisas, pessoas, o tempo, a vida, ficou mais lenta e preguiçosa. Rarefeito – diria. Fiquei sem vontade. Só quero ler e escrever. Recomecei a ler os russos, parece que agora tenho todo tempo do mundo. E rascunho, de vez em quando, alguns versos tortos à mão, a despeito da minha letra ser sofrível. Não gosto muito de escrever à mão, mas quando escrevo versos, gosto de ouvir o barulho da grafite no papel. Dá-me a impressão que estou criando algo, sinto-me satisfeita comigo mesma. Tomar chá. Ouvir Nelson Cavaquinho, Batatinha, Noel e Cartola, na minha vitrola velha, que ele me deu de presente – e fez questão que eu ficasse. Foi ele também que me apresentou os russos. Ensinou-me muitas coisas. Sobretudo, em deixar de amá-lo. Talvez, o seu jeito de me amar fosse algo incompatível com a minha autodeterminação individual. O seu amor representava um atentado contra o meu Ego. E, ao mesmo tempo, um reforço do Superego. Sentia-me presa e livre a um só tempo. Não sei bem explicar. Apenas sentia isso. Sentia que as coisas estavam se encaminhando para um devir. No entanto, não era claro o seu sentido. Quando estamos vivenciando algo, tudo é muito turvo e nebuloso, e somos reféns do processo. Somente, depois, com o tempo e em perspectiva, conseguimos formular um juízo. Eu não sei o que foi, mas apenas o que restou. A experiência, o peito vazio, as lágrimas engolidas, o pranto seco, a bruma, a espuma, o espanto, a aventura errante, de repente, não mais que de repente.
(Felipov)

2 comentários:

Anônimo disse...

"..lógica e razão perderam-se ao vento."
Eu diria que foram perdidos no momento em que foi aceito o compromisso, o nefasto pacto de fidelidade.

Como sempre, de muito apreço.
Nicoly Uchôa.

Camila Travassos disse...

Cheio de referências, musicalidade, lirismo e sentimentalismo.

"nada se sustenta nas idiossincráticas contradições do ser" <--- Gostei disso

(:

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