Ela falava inglês, mal, mas mesmo assim eu me apaixonei.
Poderia ficar horas contando as horas que corriam nos segundos do sorriso dela, sempre que eu bancava o trouxa e ela reconhecia na minha estupidez algo que comprasse um sorriso pelo preço módico de um idiota. E isso, longe de me atormentar, só me trazia sossego à alma e ao coração e ao ponto cinzento onde ambos se encontram.
Morávamos num apartamento pequeno, ela e eu, embora ela sempre desse um jeito de me fazer sentir numa mansão, digna de um Rockfeller. Nem ele, na verdade, seria mais feliz que eu, quando ela embalava nossos sonhos na rede dos carinhos e palavras de amor. Juras eternas de sermos felizes, terminando com um “ai lóve iu”, tão desajeitado, tão espontâneo, que Shakespeare teria inveja da doçura empregada em tão poucas sílabas.
Mas o diabo não dorme neste hemisfério.
Um dia desses, numa foda, ela por cima, e eu já me preparando pra comê-la de quatro, como sempre fazíamos, eu segurava firme na sua cintura, ela se balançando naquele vai-e-vem frenético. Eu sabia todos os seus movimentos, conseguir ler aquela mulher como a Bíblia, decorando todos os seus versículos que se traduziam em centenas de caras e bocas, jogadas de cabelo, o suave balé animalesco que o seu corpo executava quando estávamos fodendo. Eu conhecia aquela mulher. Sabia os seus jeitos. Como se ela fosse o Bairro do Reduto, eu estava a par de todos os seus becos, vielas, ruas estreitas, úmidas, de cheiro forte, quentes como o inferno nos verões mais violentos. Eu provava do mel do apiário que ficava entre suas coxas com a segurança de um degustador experimentado naquele sabor puro da mulher que eu conhecia melhor que a minha alma.
No entanto, neste dia ela dançou uma dança desconhecida. Não chegou a ser uma dança, mas um pedaço de sua coreografia que eu nunca havia visto. Jogou seu corpo para trás e pegando no colchão ficou indo de cima a baixo, cavalgando de maneira inédita.
Minha primeira reação foi de surpresa com a cena que se apresentava. Mais tarde algo estava mudado. Eu não era o mesmo. Ela não era a mesma. Não a conhecia mais e tendo sido eu seu único homem, não havia motivos para que ela apresentasse algo que eu não a havia ensinado.
Plantou-se nesse dia o germe da nossa desgraça. Na casa onde pairava outrora a paz, só restava a desconfiança, o ódio velado do ciúme. Mas algo me detinha de segui-la ou de confrontá-la com os fatos. Como a hesitação diante de uma roleta russa, quando sabemos que a bala está engatilhada, pronta para levar o cristão da Terra para o resultado de suas boas ou más ações.
Coisa engraçada, o destino. Que nos conduz de um extremo ao outro, sem grandes explicações, nem compromisso com coesão, coerência, método, disciplina.
Faz um mês que a matei e ainda hoje me sinto bem.
Abraços,
do teu pai.
Americano, 23 de agosto de 2010
(Igor Farias)
(*) Este é mais um texto do colaborador-simpatizanate deste blog - o punk Igor Farias. Apenas dois esclarecimentos para os leitores não residentes na cidade de Belém. Primeiro: o bairro do Reduto é um dos bairros da cidade que nos tempos da Belle Époque abrigou as primeiras fábricas e no qual viveu e morreu o maestro Carlos Gomes, e que em tempos atuais fica uma das áreas centrais da cidade, onde reside a classe média-alta. Segundo: "Americano", ao final do texto, refere-se a Penitênciaria do Americano, a maior do Estado do Pará, localizada perto do município de Castanhal, região metropolitana de Belém.
2 comentários:
eu só comento nos textos do igor, desculpa, ainda não li os do dono do blog, ler-los-ei. mas, com o perdão das palavras, esse punk é extremamente foda.
abraços.
Não tenho o hábito de falar palavrão, mas caralho! Essa foi foda!
A quebra de expectativa é incrível, adoro quando isso acontece!
Impressionante...
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