Todas as
pessoas são infelizes – eu gritei.
Todos
riram.
Brindamos a
infelicidade humana.
Elas apenas
não sabem disso – eu pensei.
Na verdade,
tenho uma hipótese:
as pessoas
se dividem quanto ao conhecimento, a ignorância e a dissimulação dessa verdade
universal.
Ela
ocorreu-me depois daquelas típicas conversas com o rigor conceitual da mesa de
bar:
palavrões,
consciência alterada e frases de efeito.
E os “pinduras”.
“Genaro,
bota essas brejas na minha conta” – fala desarticulada.
Várias Cerpas
Drafts.
“De novo...
rapaz... daqui a pouco isso vai deixar de ser um boteco para virar uma filial
filantrópica dos alcoólicos anônimos, lisos, fudidos, mal pagos”
“Eu sempre
pago, Genaro” – cínico, rindo.
“Bora ver
até quando...” – rindo.
“Um brinde
a filantropia e a infelicidade humana. Um brinde ao grande Genaro”
Risos de
bocas bem educadas, bem alimentadas, sempre desocupadas, nas quais as vidas
pautam-se de sextas em sextas-feiras, com único futuro:
a próxima
bebedeira.
A mesa de
bar é o locus por excelência da
produção de conhecimento socialmente relevante e etilicamente orientado, com
inflexões apaixonadas que são verbalizadas aos gritos, palavrões e faróis
baixos.
Brincadeira
à parte.
Esta
suposição, sem qualquer valor científico, filosófico e etcetera, pauta-se tão
somente na minha observação nada rigorosa dos contatos que já estabeleci com diversos
espécimes humanos, parte de uma premissa simples, óbvia diria, porém
subversiva:
a
infelicidade é qualidade inalienável à condição humana.
Digo mais:
demarca a
sua singularidade no mundo animal.
Se eu
tivesse poder, transformá-la-ia em verdade universal, ao lado do:
modelo
gravitacional newtoniano,
teoria da relatividade
einsteiniano,
seleção
natural darwinista,
luta de
classes marxista.
A (in)
felicidade ou (in) satisfação de necessidades materiais/afetivas, enfim, salvo
o ponto de vista do qual se parta, seja afirmativo, seja negativo, considero
que a questão tenha duas dimensões:
individual
ou coletiva.
No espectro
de argumentação, há duas teses.
Aqueles que
defendem a felicidade como o priori
restrito ao indivíduo.
São as capacidades
e iniciativas individuais, a famigerada “procura da felicidade”. A infelicidade,
portanto, é o resultado de uma débil iniciativa individual, assim, constitui-se
um ad infinitum de “procura da
felicidade”, que se constitui em uma realidade de classe, o acesso aos “bens de
consumo” que garantem “qualidade de vida” é diminuto e restrito, porque nem
todos se esforçam o bastante, nada mais justo, os bem-sucedidos “encontrem a
felicidade” tão procurada, que os demais estão a “procura”, é apenas se
esforçarem o bastante que chegam lá.
É ação
consciente, subjetiva, do sujeito, a priori,
que determina sua existência, sua realidade material.
A
felicidade é uma questão de a priori.
É acreditar
ser feliz sem um prato de comida.
Contudo, há
aqueles que acreditam no contrário:
a primazia
coletiva da questão.
Afirmam que
a garantia da estabilidade social é apenas conseguida a partir do momento que o
atendimento de necessidades materiais/afetivas é satisfeita com desdobramentos
coletivos, isto é, a maioria das pessoas seja satisfeitas em suas necessidades.
A felicidade é a satisfação de necessidades coletivas. A infelicidade sendo
apenas o seu contrário. É o todo que
deve ser considerado, e não as partes
de maneira isolada, salvo engano, as partes estão a priori consideradas no todo. Qualquer observância de aspectos
estritamente individuais é colocar em xeque a satisfação coletiva em nome de
artificial individualismo e egoísmo.
É a
existência que determina a consciência.
Satisfeita
necessidades materiais, a felicidade é garantida.
Não há a priori, apenas a realidade concreta.
É acreditar
ser feliz apenas com um prato de comida.
É no
entre-lugar destas posições que a minha hipótese, brejeira, inoportuna, cínica,
apresenta-se, ao largo destas abstrações e especulações teóricas de síntese
filosófica, como uma simples opinião bem informada com o rigor conceitual da
mesa de bar:
todas as
pessoas são infelizes, o que nos diferencia é o conhecimento, a ignorância e a
dissimulação desta verdade.
Sentencio
logo: a felicidade é a ignorância desta verdade.
Assim, o
esforço da exposição restringe-se:
os cônscios
e os dissimulados.
De maneira
breve:
os cônscios
são aqueles humanos com conhecimento que a vida é uma merda e guardam uma arma
carregada na gaveta, que vez por outra apontam contra a própria têmpora.
Covardes, nunca chegam ao fim do pensamento. Ficam fazendo esse exercício
intelectual periodicamente, sem resultado.
os
dissimulados incorrem no mesmo procedimento, periodicamente, como uma roleta
russa. Covardes, fazem esse exercício intelectual com a arma descarregada, sem
resultado.
Minhas
conclusões foram tiradas de uma disciplina nova no espectro científico:
a Economia
Política de mesa de bar,
ou melhor:
a Economia
Política de botequim.
(Felipov)
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