I
Dois velhos amigos. Velha guarda. O bar de sempre. A conversa de sempre. A vida de sempre. Vida gasta em sofrimentos, vida bebida até o último gole, vida queimada na ponta do cigarro. Vida plena. Vida feliz. A única vida possível: a boemia.
“Camarada, bote mais uma”
“Já vai... meu patrão”
“João, sabe quais são as quatro melhores coisas da vida?”
“Humm... não sei não... o que é, Antonio?” – acende um cigarro.
Tosse. Tosse. Um trago.
“Comer e viajar”
“Ahhh... sim... compreendo... Estou velho, como em apenas um sentido... e só o cigarro e a cerveja me fazem viajar...”
Tosse. Tosse. Muito forte. Mais um trago.
“João e essa tosse estranha, tá muito forte, já foste ao médico ver isso?”
“Fui, semana passada... mas não é nada grave... ele disse que tenho que parar de fumar... falou alguma coisa de câncer... perder um pulmão... essas coisas de médico alarmista, besteira”
“Porra, João, já fumas uns quarenta anos essa porra, tá na hora de parar já... não gostas de viver?”
“Gosto... gosto muito... tanto que eu não vou parar de fumar”
Tosse. Tosse. Tosse. Muito forte. Escarra sangue. Acabou o cigarro.
“Caralho, João... sangue... o que queres da vida, meu chapa?”
“Mais um cigarro... e cadê a cerveja que pediste, estou com sede”
Gosto de sangue e tabaco.
II
“À meus pais,
Esta é a minha primeira e única carta desde o meu afastamento. Fui embora sem causa, sem explicação, sem circunstância. Não tinha o que explicar. A vida familiar estava expiando a minha existência. Muitos silêncios. Muitos choros calados. As surras que carrego cicatrizes. Não havia diálogo. Compreensão. Respeito. Apenas o súbito afastamento era a solução. Pai, a sua educação militar me ensinou o que eu não queria ser na vida. Obrigado. Mãe, a sua religião me ensinou no que não acreditar na vida. Obrigado. Lamento pelos meus irmãos. Deles eu queria notícias. Foram vítimas. Espero que estejam bem. A vida independente me cobrou muito. Ela me fez crescer como indivíduo. Ela me fez assumir meus medos como identidade. O que eu sou. Frente às injustiças do mundo, sou comunista. A minha dúvida diante do transcendente, sou ateu. Devido aos meus desejos, sou homossexual. Este sou eu. O indivíduo que vocês reprimiam. Escrevo para dizer que estou bem. Sou professor de filosofia no interior de São Paulo. Moro com Carlos há cinco anos. Ele é maravilhoso. Queria dizer que estou feliz. Eu consegui ser feliz.
Do seu amado filho,
Armando Silva”
A carta vinha acompanhada de um telegrama.
“Ribeirão Preto,
Armando morreu há uma semana. Vítima de leucemia. Não conseguiu doador. Não queria a sua doação. Fui contra. Sempre foi resoluto. Pediu que enviasse a carta e o telegrama. Lamento.
Carlos Waissman”
O último cigarro de uma carteira. Lia aqueles dois papéis há duas horas. Seus olhos vermelhos. Seu olhar de remorso.
“Como vou dizer isso para Luíza. Ela vai morrer de desgosto. Eu não esperava muito daquele viado vagabundo. Mas, enfim, era meu filho”
Segunda carteira. Primeiro cigarro.
Mais um cigarro. Fumaça expurgando dores.
As dores da intolerância.
III
Um casal. Um impasse. Vinte anos. Amor, alegrias, brigas, decepções. Uma vida juntos. Mesa de um café de classe média. Uma decisão. Um trago. Duas vidas.
“Lembras que sempre vínhamos aqui, para conversar, tomar café e fumar, eu gosto muito desse lugar, ele me traz boas lembranças, lembranças de nós...” – resignada, tomando um gole de café.
“Eu quero ser breve... não existe ‘nós’ há algum tempo, temos que ser francos, o que vivemos está insustentável, eu quero o divórcio” – ele determinado.
“São vinte anos de casados...”
“Foram...”
“E os nossos filhos?”
“São adultos, eles já sabem que a vida não é cor-de-rosa”
“Certo... então vais me pagar até o último centavo os anos perdidos ao teu lado... seu filho-da-puta”
“Te dou até a cueca que estou usando agora para me ver livre dessa farsa...”
“Eu te amei muito...”
“Eu também te amei... mas os anos, as cobranças, as obrigações, a vida conjugal foram fardos intoleráveis sobre o que sentia... agora quero viver os poucos anos que me restam...”
“Tá bom... assim será... os meus cigarros acabaram... tem algum?”
“Tenho... será o nosso último trago juntos... o trago do fim...”
“Traguemos a nós”
Acabou o cigarro, ele pagou a conta, foram embora, cada um para o seu lado.
Tocou o celular dele.
“Oi, Daniele, já estou indo pra aí, gata”
Mais uma das suas bocetas apertadas.
Tocou o celular dela.
“Oi meu amor, já falei com ele, pediu divórcio, arrume-se, vamos ao caribe”
O seu pau novo.
IV
Ele chupa sua boceta juvenil. Ela chupa sua pica infante. Dois corpos iniciantes nos mistérios do amor. Os dois suspiram de prazer. Ela, dezoito anos. Ele, dezenove. Amam-se loucamente. Vivem o amor dos tempos da inocência. O amor genuíno, o amor do delírio, o amor da dor, o amor da entrega. Ele lambe os seus seios. Ela fica louca, geme, puxa os seus cabelos, arranha as costas, pega no pau. Enfia devagar. Ele gosta de olhar as suas feições de excitação sentindo-o dentro dela. “Como é gostoso fazer amor contigo” – ela sussurra. “Tu me satisfaz completamente, amor” – ele diz rente ao ouvido, mordendo. Fodem aquele papai-e-mamãe mais gostoso do mundo. Língua com língua. Lambidas no pescoço. Chupadas no peito, no bico rosado. Bico avermelhado. Costas arranhadas. Fode, fode, fode. As pernas começam a enfraquecer, os gemidos ficam mais fortes, ela entrega-se. Ele fica mais rápido, penetra mais e também fica fraco, entrega-se. Dois corpos entregues ao amor carnal. Beijam-se. Trocam olhares que diz tudo o que é aquele momento. O corpo dela é tão lindo – ele pensa. Eu adoro a barriga dele – ela faz carinho. Descansam um pouco. Ele pega um cigarro. Acende. Um trago. “Eu te amo” – ela diz, abraçando-se nele. Pega o cigarro da mão dele. Um trago. “Eu te amo” – ele diz, juntando-a mais a seu corpo. Fumaças do amor. As eternas enquanto durem. O efêmero para sempre. O amor desmedido. Amar com gozo. O amor da primeira hora. O doce aroma do tabaco e amor na boca.
(Felipov)
1 comentários:
"'Oi, Daniele, já estou indo pra aí, gata'. Mais uma das suas bocetas apertadas."
Com essa descrição tua eu só consegui lembrar do Rubem Fonseca, lembrei quando o Paul tenta formar uma família com um monte de loucas, no Caso Morel.
Gostei, apreciei bastante.
Nicoly Uchôa.
Postar um comentário