quarta-feira, 18 de abril de 2012

O sermão








Domingo.

Igreja lotada.

Burburinhos, conversas paralelas.

Dízimos, ofertas recolhidos.

Orações, louvores cantados.

Silêncio.

A pregação.



“Boa noite, amados irmãos. A paz do Senhor. Hoje, farei algo diferente. Hoje, não falarei da vida eterna, da salvação, do inferno, ou do juízo final. Já estamos fartos disso. É necessário ampliarmos o nosso conhecimento. Sabemos demasiadamente de doutrina, dogma, teologia barata. Não praticamos a nossa verdade.

Hoje, quero tratar da vida terrena, da vida humana, da condição humana. Tratarei de um sermão, um sermão esquecido, pouco lido, pouco discutido, que considero fundamental. Primeiro, eu não vou gritar – por isso, espero atenção. Não vou dizer ‘Aleluias’ e nem ‘Glórias a Deus’. Ele não precisa disso. Não precisa de histeria, gritos, barulho. Deus não precisa de nós. Ele apenas precisa que o ignoremos, no sentido dessa bajulação, penitência, glorificação excessiva, descabida, inócua. Ele é Deus, em seu infinito poder, amor, bondade, misericórdia. Onipotente, onipresente, onisciente.

Assim, vamos ao sermão. O famoso Sermão da Montanha. Umas das primeiras e mais importantes preleções de Jesus. Ele está registrado no Evangelho segundo escreveu o apóstolo Mateus, neste momento, em sinal de reverência, fiquemos de pé para leitura, abram suas escrituras no capítulo cinco, leiamos do versículo três ao doze.

Leitura:

Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos Céus! Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados! Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus! Bem-aventurados os Defensores da Paz, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de Mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós.

Por favor, tomem assento. Amados irmãos, como foi possível observar na leitura, vou tratar das bem-aventuranças. Jesus apresenta-nos o Reino dos céus. Todavia, sua exposição fora profundamente humana, não raro ele liste as razões para sermos, nós, seus seguidores, nós, cristãos, nós, filhos de Deus, nós, os salvos, nós, os justificados, nós, os remidos, nós, os bem-aventurados, os felizes, os venturosos, os afortunados nesta vida terrena, no hoje, no aqui, no agora.

Portanto, é necessário ser humilde. Ele deu o maior exemplo de humildade, lavando e beijando os pés de seus discípulos, vivendo na pobreza, demonstrando que a simplicidade, e a humildade que lhe é subjacente, é o maior sinal de respeito para consigo e os seus semelhantes.

É necessário chorar, sofrer. É no sofrimento, na dor, na angústia que descobrimos nossas reais capacidades, nossos limites, nossas possibilidades. Chorar é a demonstração física da dor humana, é materialização do sofrimento. No entanto, o consolo, o alento, o conforto encontram morada em nosso coração para nos provar que somos fortes, que a tempestade finda com a bonança, que o mel estanca o fel, que tem um porto seguro no fim da tempestade.

É necessário ser manso. Não confundir mansidão com ser feito de tolo, bobo, idiota. Ser manso no sentido de ter sempre uma atitude receptiva, aberta ao diálogo, agradável, serena. Essa é a atitude digna daqueles que possuirão a terra, que possuirão suas metas, que possuirão seus objetivos, que possuirão os seus desígnios.

É necessário ter fome e sede de justiça. A indignação é o fortalecimento do senso de justiça. Não podemos ficar indiferentes. Temos que nos posicionar frente às injustiças do mundo. Não podemos compactuar com a impunidade, com a indignidade, com a indiferença. Só assim seremos saciados.

É necessário ser misericordioso. O coração aberto ao perdão, a reconciliação, a clemência é tal qual a videira plantada próximo ao rio, suas folhas jamais secarão, será sempre frondosa, e sempre dará frutos. Ter um ato de misericórdia com o outro é simplesmente um atitude para consigo mesmo, seja misericordioso, receba perdão.

É necessário ter pureza de coração.  É apenas com um coração puro que conseguiremos ver as pessoas como elas realmente são. É apenas com um coração puro que superamos a mesquinhez que nos tolhe de vivermos relações plenamente humanas. É apenas com um coração puro que conseguimos ver o outro com uma extensão de nós mesmos.

É necessário promover a paz. Nada melhor o que ter a paz com a sua própria consciência. Paz consigo mesmo. Não ter o peso da culpa, do remorso, do receio sobrecarregando nossas consciências, consciência limpa é a paz que todos nós necessitamos.

Amados, estas são algumas considerações preliminares para o que eu realmente quero discutir. As bem-aventuranças são alguns pontos que Jesus apresentou para a vida de seus fiéis sobre a terra, das quais eu subscrevo totalmente.

Contudo, tenho muitas reservas quanto ao ‘Ide’. Eu fiz todo essa introdução para tratar especificamente sobre o ‘Ide’. Jesus deixou claramente expresso: ‘Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura’ – no Evangelho segundo o apóstolo Marcos, capítulo dezesseis e versículo quinze.

Eu vou ser bem claro: sou contra a dimensão apostólica de nossa fé. Se eu considero a Bíblia como a verdade, e tenho o cristianismo como visão de mundo, não é para convencer ninguém de que isso seja a verdade. Ela é a verdade para mim. Ela é a verdade para você. Ela é a verdade para nós. A nossa verdade. Ela não pode ser para os outros. Nesse sentido, devemos ser bem-aventurados. Devemos cultivar todas aquelas prescrições dadas por Jesus. É necessário ressaltar: não tem como ser bem-aventurado querendo convencer a todos que a nossa crença seja a verdade.

Não temos essa obrigação, não precisamos nos prestar a esse papel que vai de encontro a uma dimensão fundamental nos legada por Deus: o Livre Arbítrio. O ‘Ide’ contradiz frontalmente o princípio do livre arbítrio.

Meus amados irmãos, nós não podemos impor a nossa verdade a ninguém. Não podemos ser tão arrogantes. É necessário ampliar os nossos conhecimentos. É necessário que pratiquemos a alteridade. Precisamos respeitar as outras visões de mundo. Precisamos respeitar as outras verdades. É somente assim que conseguiremos praticar a nossa verdade. Somente assim conseguiremos alcançar a bem-aventurança sobre a terra, aqui e agora. Se hoje somos perseguidos por conta de nossas crenças isto está diretamente relacionado à imposição intolerante da nossa verdade. Temos que considerar que a verdade que defendemos não seja a verdade dos nossos semelhantes.

Deus simplesmente não existe para aqueles que não acreditam nele. Ele não quer que acredite nele. Ele não precisa disso. O que ele quer é que não sejamos maniqueístas. Que dividamos a humanidade entre salvos e perdidos, entre os que vão para o céu e o inferno e assim por diante. Aqueles que não acreditam em nossa verdade não precisam do nosso julgamento, precisam apenas do nosso amor.

Ele quer que cumpramos o paradigma moral fundante do cristianismo: amar o teu próximo como si mesmo. A bem-aventurança plena nesta vida terrena só vai ser alcançada quando percebermos que o Reino de Deus está em nós.

Eis o sermão desta noite: o Reino de Deus está em vós”



Igreja vazia.

Bancos vazios.

Apenas Deus no fundo.

Aplaudindo de pé.


(Felipov)

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito interessante....

Gabi Brasil

Anônimo disse...

Se eu fosse Deus, jogaria uns tomates.

;)

Juliana Brandão disse...

Tmbm aplaudo vc, Felipov.

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