segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Memórias Amnésicas do Velho Botelho - Uma Introdução (*)

Digníssimos leitores, gostaria de introduzir estas memórias com uma explicação; duas, na verdade. A primeira diz respeito ao porquê delas.

Ao completar noventa anos neste último dia dez de agosto, e acossado pela lembrança da proximidade do fim de tudo, peguei-me pensando longe, absorto em lembranças fugidias que pareciam peças de diferentes quebra-cabeças, incapazes de constituírem uma unidade. Comecei, então a anotar alguns dos fatos de minha gloriosa vida, bem como das vidas de alguns dos meus nobres antepassados, e notei - Ó ingrata idade! - que, no dia seguinte, minhas anotações significavam a mesma coisa que um tratado filosófico a nosso ribeirinho amazônida! A frustração por não me lembrar dos detalhes, contextos e, muitas vezes, das personagens de todas as peripécias da saga da minha ilustríssima família, no entanto, era recorrente; apontando, como uma enxaqueca, a necessidade fisiológica de algum elemento indispensável ao equilíbrio do corpo e da mente. Acabei convencendo-me a contratar os serviços de alguém para poder compor estas memórias e achei este desocupado Igor Farias, que vem a ser filho de um amigo do meu filho, para organizar minhas notas. Como observação desnecessária sobre ele, devo afirmar que é servidor público, o que significa que chega sempre pela hora do almoço e só sai as três da tarde. Não me parece muito bom da cabeça, todavia é um excelente rapaz. Aprecio-o mais quando vai embora.

A princípio, falei-lhe da ideia de escrever esta verdadeira Odisséia dos Botelho Pinto no Pará em formato de fichas episódicas arrumadas em série, segundo os fundamentos e técnicas da Arquivologia, utilizando parâmetros científicos e devidamente racionais. Pois este rapaz contestou a ideia, dizendo que tamanha aventura deveria ser contada em linguagem e formato mais literários, e, aos poucos, foi ganhando-me para esta sua causa ao lembrar de Tuicídides, Plutarco e outros célebres autores de grandes crônicas de fatos da humanidade - a minha não lhes deve nada, nem pela glória, muito menos pela escrita, de tal modo que aquiesci. A brilhante saga dos Botelho Pinto neste Grão Pará só poderia ser contada numas Memórias, assim com letra maiúscula, para diferenciá-la graficamente das memórias mundanas de outras famílias desimportantes, tão comuns nesta nossa elite.

Resta ainda - como disse acima - a última explicação, a do título e da veiculação eletrônica. O tal do Igor Farias sugeriu-me o título, aparentemente paradoxal e, após algum debate, acabei acatando-o, para envernizar esta obra com algumas cores modernistas. Não é a escola artística que mais me agrada - vejam bem: alguns dos meus móveis, como a escrivaninha em que agora escrevo, são do século 19, bem como este soberbo palacete em que vivo, o Palacete Botelho Pinto, e meus gostos acompanham este antiqüíssimo patrimônio - mas, para vencer a mediocridade do público, é um preço pequeno a se pagar; achei-o até divertido depois de certo tempo, palavra de honra. Pelo mesmo raciocínio, o Igor convenceu-me que a veiculação eletrônica daria ares mais contemporâneos à publicação e atingiria, potencialmente, um público maior. Ora, as duas coisas são importantes: como narrarei fatos históricos, épocas remotas e episódios esquecidos, bom será que estes leitores preguiçosos de hoje em dia possam apreciar parcimoniosamente esta estupenda saga enquanto conversam nos seus computadores, podendo ver fotos e compartilhar bobagens, assim tornar-se-á o relato menos cansativo à parva geração atual; e quanto ao fato de um grande público leitor, quiçá todos os falantes da língua portuguesa, poder acessar estas Memórias a qualquer hora, bem, este é o cumprimento da irrenunciável profecia de grandeza intrínseca aos Botelho Pinto, nobres, dignos, honrados, magnânimos, ilustres, e outros adjetivos correlatos, como será devidamente apresentado no decorrer desta obra.

Dito isto, apresso-me em terminar este prólogo para narrar com estupendo léxico, com toda riqueza gramatical, com toda profundidade filosófica, todo rigor histórico-científico, a epopéia colossal dos Botelho Pinto neste Grão-Pará.

(Igor Farias)

(*) Este é mais um texto do colaborador-simpatizante deste blog - o punk Igor Farias. 

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