sábado, 24 de setembro de 2011

Os transeuntes





Rato de rua
Irrequieta criatura
Tribo em frenética proliferação
Lúbrico, libidinoso transeunte
Boca de estômago
Atrás do seu quinhão

(Ode aos ratos – Chico Buarque)



Tenho a impressão de ser observado ostensivamente pelos juízos de valor alhures. Pelos piscares de olhos invejosos, maliciosos, perscrutadores. Pelos rabos de olhos que vêem sem querer ser vistos.  “Perceba, observa como te olham, desdenham de ti”. Olham e dissimulam, a um só tempo. Sinto-me acossado. Perseguido, acuado. Por que me olham? Qual a razão de tanta observação? Todos me atacam com os seus funestos olhares indiferentes.

“Todos querem ser iguais a ti”. “Ou julgam-te tão ridículo que não devias desrespeitá-las com a tua presença infame”. “És um ínfimo inseto, asqueroso que não merece a menor consideração da hipócrita atenção humanitária da ética cristã ocidental”. “Ninguém quer saber se ‘Os irmãos Karamazov’ foi o melhor livro que lestes na vida, se gostas muito de literatura russa, se García Marquez é dos escritores de língua hispânica o teu favorito, se aprendestes o que é o amor no ‘O amor nos tempos do cólera’ e a solidão com os Buendía do ‘Cem anos de solidão’, ou se não tens tempo para ler Dom Quixote e o Fausto”.

“Realmente ninguém se importa se gostas de bolo de macaxeira, purê de batata com picadinho, de ler deitado na rede ouvindo Baden Powell e tomando café”. “Ninguém quer saber se não sabes nadar, se não sabes tocar violão ou dirigir, se tens medo de ser assaltado, de perder o emprego, de ficar sem família, de ter um câncer, daquela dor no peito que vai e volta de vez em quando, da dor de cabeça que vem sempre antes de dormir, da gastrite virar úlcera, dos meus graus de miopia virar cegueira, de ficar sem dentes por conta das minhas cáries e a falta de paciência e tempo de ir ao dentista, de simplesmente desprezar uma vida longeva e saudável”.

“Ninguém quer ter ciência das discussões que tivestes com Deus, e percebestes o quanto ele é preconceituoso, egocêntrico, intolerante, machista, e pouco afeito ao questionamento e ao diálogo, com mania de querer ser certinho, asséptico, melhor que os outros, orgulhoso, de ter um sério complexo de inferioridade por não ter conhecido seus pais, em razão disso exige tanta adoração e gratidão pela vida que deu sem qualquer contrapartida, e, ao mesmo tempo, que o Diabo é um grande camarada de conversas de bar, que gosta de samba, futebol, mulheres, e de implicar com Deus”.

 “Quem se importa em saber se és comunista, se desprezas os liberais, odeia a social-democracia, se ficas com muita raiva com o analfabetismo político e procuras os meios de fazer com que essa sociedade seja equitativamente melhor para pessoas que não se importam nem um pouco, que ignoram aquilo que seja diferente do seu mesquinho interesse individual”.

“As pessoas não dão à mínima se o amor da sua vida foi embora com outro, se chorastes até ficar com pena de si mesmo, se a dor foi tão grande que dormir não era o bastante, beber não era o bastante, morrer não era o bastante para esquecer, e de ter conhecimento que tal amor ainda vive em ti, que ainda pulsa forte, que irracionalmente ainda tem lugar em um coração cego de esperanças”.

“Ninguém se importa se tens apenas seis meses de vida, ou setenta primaveras pela frente, se queres matar todos a tua volta, ou ser morto estupidamente em qualquer esquina da cidade, se gosta de ver o sofrimento alheio daquelas pessoas que pedem dinheiro pelas ruas ou vendem seus corpos nas encruzilhadas, não se consterna com aqueles que sobrevivem com um salário mínimo”.

“Eu não me importo, tu não te importas, ele não se importa, nós não nos importamos, vós não te importas, eles são se importam”.

Todos me vêem, mas não me olham. Não se importam: os transeuntes não se importam.

(Felipov)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Eu vejo




“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”
(Livro dos Conselhos)

Eu vejo. Eu vejo a Angústia. As pessoas sem perspectivas, sem projetos, sem aspirações. Sem a incrível capacidade de se mover pelas suas potencialidades, capacidades e vontades. Ter a fé insofismável de que a humanidade tem a perfectibilidade de ser essencialmente altruísta, empática e solidária, considerando o Outro como extensão obrigatória do seu ser social, em permanente transformação e modificação, e em eterno devir existencial – o velho e carcomido projeto iluminista já quase em desuso. Sou anacrônico, claro está, e não tenho a ínfima vergonha em dizê-lo. No entanto, a vida na letra da lei não atende as expectativas de regulação equitativa dos conflitos individuais em prol do bem comum. As instituições não representam, não protegem, não asseguram, não garantem, não promovem o bem comum. A vida está para além das prescrições jurisdicionais e oficiais. Aquém de Governos, Estados e Nações.  Ela, indelevelmente, na variedade própria de sua natureza errante, origina, em uma profusão infinita, de intermináveis e duradouras soluções e dissoluções, na eternidade própria da sua efemeridade, a jurisprudência inerente a sua condição aberta, fluída e impávida. Tais qualidades e propriedades provocam o medo. Eu vejo. Eu vejo o Medo. Sobretudo, o medo de viver. O medo da frustração, do sofrimento, da morte, da derrota, do fracasso, de amar, de ser amado, da sinceridade, de ser sincero, da hombridade, da honestidade, de ser honesto, dos escrúpulos, da não-correspondência, da infelicidade, da felicidade, da solidariedade, da solidão, da piedade, da caridade, da grosseria, da arrogância, da empáfia, do ensimesmamento, do egoísmo, do etnocentrismo, da barbárie, do embrutecimento, da covardia, da coragem, da violência, em última análise, o medo-de-ter-medo-e-admitir-que-se-tem-medo-com-medo-do-que-os-outros-alhures-vão-julgar. Eu vejo. Eu não sei o que é o que vejo. Apenas sinto todas as pestilências da condição humana. Entretanto, nos últimos tempos, nos tempos idos da minha decadência, não me sinto bem com pessoas perto de mim. Pessoas são perniciosas, arrogantes, patéticas. Quero ficar só. Gosto da solidão. Não preciso agüentar ninguém, e ninguém precisa me agüentar. Ninguém me engana. Ninguém se aproveita de mim. Não sirvo de pilhéria. Ninguém me rouba, me assalta ou expropria. Ninguém ri as minhas custas, ou desconta suas frustrações escarnecendo da minha baixo auto-estima. Ninguém vem querer se afirmar e autodeterminar me denegrindo. Ofensas, as gratuitas ofensas. “Certo. Não há novidades em tudo o que pensas. São apenas obviedades. Sabemos que os humanos são assim. Precisas exercitar a tua paciência e compaixão”. Jamais. Paciência é algo que não me pertence mais. Esgotou-se. Cansei-me. Não quero nenhum tipo de contato ou diálogo, o menor trocar de palavras ao acaso, ou uma prolongada e prazerosa conversa de bar. Sinceramente, cansei. Cansei tanto que digo obviedades. Às vezes é preciso dizê-las. Elas são tão evidentes que a maioria não vê. Ora, o que esperar de uma multidão de idiotas funcionais. Cada vez mais ocorre um fenômeno em massa que me parece irreversível, progressivo e inexorável: o elogio a mediocridade. A mediocridade está na ordem do dia. Está na moda. Está no jornal, na revista, nas conversas de salão de beleza, nas barbearias, nas praças. É o que dá dinheiro. É o que dá notoriedade, fama, celebridade. É o que ostenta, o que orienta, o que manda. É o poder. Status quo. “Certo, admitamos que decerto as tuas premissas tenham alguma correção. Que o teu rigor e crítica procedam. No entanto, não és humano? Não compartilhas a mesma condição? Ou, por acaso, deixastes de ser humano?”. Não descarto essas questões. Não raras vezes, deixo de me sentir humano. Sinto qualquer outra coisa ao largo do humano. Não vejo a minha identidade, o meu ser individual e coletivo compartilhado com essa sociedade – um não-lugar. Um estrangeiro de mim mesmo. Ao mesmo tempo, sou humano, tenho a mesma condição de Homo Sapiens Sapiens com corpo físico bípede, andar ereto, com polegar oponível e encéfalo altamente desenvolvido. Devo, forçosamente, admitir que ainda seja humano. Humano, demasiadamente humano. “Ora, com a licença da expressão, VÁSEFUDER, tu e todo esse teu pedantismo. A propósito, pega esse pedantismo, com toda a polidez própria dos pedantes, e enfia no seu honorável cu. ‘Eu vejo’, ‘Eu vejo’, é o caralho. Fica com essa porra de teorizar, elucubrar, analisar, perscrutar e o caralho que o valha sobre a condição humana como se fosse um alienígena ou vivesse a margem da sociedade, em uma torre de marfim da superioridade intelectual que não se comunica com os medíocres, os idiotas, os fúteis, os ignóbeis, os párias, os torpes, os ignaros, os mentecaptos, enfim, a estupidez inerente da estultice humana. Entretanto, és muito superior para admitir algo desse tipo. És apenas um grande hipócrita filho da puta estúpido. Apenas isso, um estúpido”. Eu vejo. Eu vejo gente estúpida. O tempo todo. De tanto ver, emudeço, e no silêncio, reparo.
(Felipov)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Memórias Amnésicas do Velho Botelho - Uma Introdução (*)

Digníssimos leitores, gostaria de introduzir estas memórias com uma explicação; duas, na verdade. A primeira diz respeito ao porquê delas.

Ao completar noventa anos neste último dia dez de agosto, e acossado pela lembrança da proximidade do fim de tudo, peguei-me pensando longe, absorto em lembranças fugidias que pareciam peças de diferentes quebra-cabeças, incapazes de constituírem uma unidade. Comecei, então a anotar alguns dos fatos de minha gloriosa vida, bem como das vidas de alguns dos meus nobres antepassados, e notei - Ó ingrata idade! - que, no dia seguinte, minhas anotações significavam a mesma coisa que um tratado filosófico a nosso ribeirinho amazônida! A frustração por não me lembrar dos detalhes, contextos e, muitas vezes, das personagens de todas as peripécias da saga da minha ilustríssima família, no entanto, era recorrente; apontando, como uma enxaqueca, a necessidade fisiológica de algum elemento indispensável ao equilíbrio do corpo e da mente. Acabei convencendo-me a contratar os serviços de alguém para poder compor estas memórias e achei este desocupado Igor Farias, que vem a ser filho de um amigo do meu filho, para organizar minhas notas. Como observação desnecessária sobre ele, devo afirmar que é servidor público, o que significa que chega sempre pela hora do almoço e só sai as três da tarde. Não me parece muito bom da cabeça, todavia é um excelente rapaz. Aprecio-o mais quando vai embora.

A princípio, falei-lhe da ideia de escrever esta verdadeira Odisséia dos Botelho Pinto no Pará em formato de fichas episódicas arrumadas em série, segundo os fundamentos e técnicas da Arquivologia, utilizando parâmetros científicos e devidamente racionais. Pois este rapaz contestou a ideia, dizendo que tamanha aventura deveria ser contada em linguagem e formato mais literários, e, aos poucos, foi ganhando-me para esta sua causa ao lembrar de Tuicídides, Plutarco e outros célebres autores de grandes crônicas de fatos da humanidade - a minha não lhes deve nada, nem pela glória, muito menos pela escrita, de tal modo que aquiesci. A brilhante saga dos Botelho Pinto neste Grão Pará só poderia ser contada numas Memórias, assim com letra maiúscula, para diferenciá-la graficamente das memórias mundanas de outras famílias desimportantes, tão comuns nesta nossa elite.

Resta ainda - como disse acima - a última explicação, a do título e da veiculação eletrônica. O tal do Igor Farias sugeriu-me o título, aparentemente paradoxal e, após algum debate, acabei acatando-o, para envernizar esta obra com algumas cores modernistas. Não é a escola artística que mais me agrada - vejam bem: alguns dos meus móveis, como a escrivaninha em que agora escrevo, são do século 19, bem como este soberbo palacete em que vivo, o Palacete Botelho Pinto, e meus gostos acompanham este antiqüíssimo patrimônio - mas, para vencer a mediocridade do público, é um preço pequeno a se pagar; achei-o até divertido depois de certo tempo, palavra de honra. Pelo mesmo raciocínio, o Igor convenceu-me que a veiculação eletrônica daria ares mais contemporâneos à publicação e atingiria, potencialmente, um público maior. Ora, as duas coisas são importantes: como narrarei fatos históricos, épocas remotas e episódios esquecidos, bom será que estes leitores preguiçosos de hoje em dia possam apreciar parcimoniosamente esta estupenda saga enquanto conversam nos seus computadores, podendo ver fotos e compartilhar bobagens, assim tornar-se-á o relato menos cansativo à parva geração atual; e quanto ao fato de um grande público leitor, quiçá todos os falantes da língua portuguesa, poder acessar estas Memórias a qualquer hora, bem, este é o cumprimento da irrenunciável profecia de grandeza intrínseca aos Botelho Pinto, nobres, dignos, honrados, magnânimos, ilustres, e outros adjetivos correlatos, como será devidamente apresentado no decorrer desta obra.

Dito isto, apresso-me em terminar este prólogo para narrar com estupendo léxico, com toda riqueza gramatical, com toda profundidade filosófica, todo rigor histórico-científico, a epopéia colossal dos Botelho Pinto neste Grão-Pará.

(Igor Farias)

(*) Este é mais um texto do colaborador-simpatizante deste blog - o punk Igor Farias. 

domingo, 18 de setembro de 2011

Elas




Cheguei mais cedo em casa ontem. Por volta das oito horas, começara a chover. Vi a porta entreaberta do quarto da minha irmã. Ela estava conversando com uma prima nossa, sentadas em cima da cama. Ambas têm dezoito anos. Lindas, em plena flor da idade. Clarisse é candidamente alva, uma polaquinha, cabelos loiros crespos, um pouco sardenta, a boca carnuda, seios firmes e viçosos, com bicos salientes, pernas torneadas, belas e chamativas ancas. Com um olhar malicioso e um jeito provocante. Um corpo fresco, forte e vigoroso, pronto para cópulas animalescas. Vedado, amordaçado e proibido aos meus desejos incestuosos.
O que não era muito diferente da prima: Luíza. Negra, de um ébano claro, com cabelos cor-de-mel igualmente crespos, sua formosura era provocante, o seu andar, malicioso, envolvente, um rebolar voluptuoso, chamava-me, atraia-me, e, ao mesmo tempo, seus seios eram dois pares gostosamente constituídos para serem chupados e mordidos à exaustão. Quando usava roupas apertadas, ficava marcada em sua silhueta, entre as suas pernas, uma provocativa fenda de boceta gulosa. Os vestidos, justos ao corpo, aqueles de estampas hippies ou de seres mitológicos orientais, demarcando a calcinha em suas nádegas fudidamente gostosas.
Furtivamente, os meus desejos observavam-nas. Parei na porta, e fiquei olhando, cobiçando seus corpos infantes. Elas não davam pela minha presença. Permaneceram conversando animadamente. Deviam falar de futilidades, namoricos, maquiagens, roupas e sapatos. Eu não conseguia ouvir nada. Apenas observava.  Percebi os olhares maliciosos de Clarisse, e o ar de constrangimento e acanhamento de Luíza com esse flerte fatal. A conquista que estava se processando ali, entre aqueles dois corpos, entre aquelas duas vontades, entre suas fantasias, era irresistível e inevitável. Claro estava quem tomaria a iniciativa, quem era mais experiente neste tipo de circunstância.
Subitamente, Clarisse afagou carinhosamente o rosto de Luíza, beijou-lhe a face com os lábios molhados e provocantes, na intenção evidente de originar sensações naquele estado já exaltado de seus ânimos sexuais. As suas camisolas de renda branca, que, muito provavelmente compraram juntas na mesma loja, apontavam de modo indireto a nudez fascinantemente opaca e sugestiva de suas formas e contornos corpóreos. Ela ia se projetando de maneira expressiva, marcante e mansa sobre o corpo de Luíza – é visível a sua intenção de não assustá-la, de fazê-la desfrutar seus desejos mais secretos, sem pudor e recato.
O beijo. O entrelaçar de línguas das bocas cobiçosas a muito uma pela outra, que, ao sentir de modo recíproco, a deliciosa viscosidade do hálito fresco e o ardente inerente aos lábios desejosos, deliraram, deliraram. Clarisse percebe quase que instintivamente que a barreira moral foi ultrapassada, agora pode avançar com sua arte sobre aquele quadro ainda intocado. Ela trabalhava com o cuidado e a criatividade de um artista. Esse ineditismo lhe instigava ainda mais. Luíza entregara-se ao inefável universo das sensações. Ansiava apenas sentir. Impunemente sentir. Clarisse a reconfortou ternamente no catre de lençóis limpidamente brancos e com cheiro de roupa limpa.
Dirige-se para a extremidade inferior do seu quadro. Inicia pelos pés. Pincela-os com carinho. Luíza sentia a quentura dos beijos e lambidas, e o calor da respiração ofegante, da exasperação excitada de Clarisse. Seguiu, elevando-se, completando as pinceladas com as pontas dos dedos. Dedos e lambidas, orquestradas de maneira sucessiva, alternadas com carinho, em uma harmonia libidinal. Passou por cima do seu alvo, do seu gran finale, de pêlos ralos, aparados com regularidade e destreza, com os lábios parcialmente úmidos e latejantes. Guiada pelo nariz, que roça serenamente pelo ventre de Luíza, sente seu arrepiar, breves calafrios e tremidos, até chegar àqueles bicos rígidos e negros. Deu uma bela e demorada pincelada da base à extremidade daqueles montes formosos, atingindo seu cume. Chupou o bico com mordidinhas alternadas. Mordidas e chupadas alternadas. Aumentou o ritmo. Aumentou a violência. Chupou com vigor, sugando, fincando em sua boca a parte superior da mama, que se encaixou com precisão geométrica, pareciam projetados perfeitamente, um para o outro.
Nesse ínterim, ambas excitam-se, ambas deliram na morfologia similar de seus corpos errantes, na igualdade da condição feminina tão intimamente compartilhada naquele ato. Clarisse, neste momento, ratificou sua tese: os peitos têm gostos peculiares entre si. É quase um elemento de identidade. Do mesmo modo, tem tese similar quanto aos lábios inferiores que demarcam a idiossincrasia do ser feminino.
Partiu ansiosamente para eles. Declinou-se, vagarosamente, para o centro, para o ponto de equilíbrio estático do corpo de Luísa. Era ali que a sua obra-prima seria encerrada. Passou o nariz e a frente dos lábios em cima dos pêlos ralos, sentindo o seu aroma diáfano. Lentamente, passo a passo. Queria que Luíza sentisse sua respiração, os seus carinhos, os seus afagos. Agora, vai se empregar dos seus pincéis em conjunto: dedos e língua. Observa a parte inacabada de sua obra, pronta para ser finalizada: a flor de lábios pulsantes. Tateando devagar pela penugem, adentrou ao vale, entre os seus sulcos, procurava a sua parte mais rija – brincava de procurar, sabia muito bem onde estava, mas o prazer da procurar era excitante.
Encontrou-a, lambendo com a ponta do pincel, a um só tempo, utilizou-se dos demais, enfiando-os na cavidade úmida, macia e quente. Luíza enlouquece. De olhos cerrados, lambe os lábios da boca, e acaricia os próprios seios, em movimentos circulares, apertando diligentemente os bicos eriçados. Óbvio que Clarisse não pararia. Era apenas o começo. Chupou com mais intensidade. Chupou mais, mais, mais. Mordeu, com mordidas ternas, fortes, agudas que elevam ao prazer supremo. Ela sentia o gosto mais recôndito, subterrâneo, sigiloso de Luíza. Saboreou o gosto absoluto dela, distinto, no entanto, complementar, aos dos seios. Sentia os seus gostos de modo integral. Fez isso de forma que Luíza chegasse ao gozo eternal, mesmo que efêmero. Luíza gozou como nunca na vida. O gozo era o fim da obra-prima de Clarisse.
Eu, caro leitor, nem preciso dizer, o quanto excitado e estimulado estava com aquela cena. Os meus desejos estavam sendo satisfeitos apenas ao contemplar daquela obra de arte sendo construída e concluída – a estética dos corpos juvenis iniciando-se nos mistérios de Eros. Eu nem precisei me masturbar. Observar era o bastante. Tal cena que desejava a muito, de maneira quase improvável, acontecia diante dos meus olhos, da forma jamais imaginada por mim. Vendo aqueles dois corpos sucumbirem de prazer, queria mais que tudo, naquele momento, sucumbir junto a eles, dar a minha contribuição aquela economia libidinal.
Do nada, enquanto Clarisse estava em cima de Luíza, ela vira para o lado da porta, olha-a com fixidez e diz: “Vais apenas observar?” – com um sorriso sarcástico – automaticamente não acreditei que ela estivesse falando comigo, me esquivei, quase caio no chão de susto. Luíza levantou assustada, querendo ver com quem Clarisse falava. “Vem, mano, vem” – disse Clarisse com uma voz irresistivelmente sedutora. Depois que falou isso, Luíza entendeu a situação, e disse de modo provocantemente complementar: “Vem, primo, vem me chupar”. Não resisti, ajoelhei aos desejos.
Entrei no quarto. Tirei a camisa e a calça rapidamente. Clarisse me abraçou e me beijou, puxando o meu cabelo – a excitação me dominava. Nunca pensei que ela soubesse tanto, que fosse tão experiente sexualmente falando. Luíza observou-me de maneira carinhosa, projetei-me sobre ela, beijou-me deliciosamente. Comecei chupá-la, ao mesmo tempo, que Clarisse me chupava. Batia e chupava, sucessivamente. Eu chupava e masturbava Luíza. Ela delirava, eu delirava, Clarisse delirava. Depois de algum tempo de tanta chupação, e sentir o gosto inebriante de Luíza, ela me afastou e disse no meu ouvido: “Come a minha boceta gostosa??”. “Fica de quatro, então” – respondo. Nesse movimentar, Clarisse disse: “Então, agora é a minha vez de ser chupada, prima”. Enquanto fodo gostosamente a boceta de Luíza, ela chupa a de Clarisse.
Três corpos em prazer renitente. Foode, foode, foode. Gozo, deixando a minha energia vital no ventre de Luíza. Vendo que havia gozado, Clarisse começa a me chupar, e me diz: “Come o meu cu, mano. Me fode gostoso por trás”. “Me chupa, me chupa, que fodo o teu cu” –  digo canalhamente. Na nova permuta dos corpos e desejos, cuspi no cu dela e comecei a comê-lo, e Clarisse novamente chupou Luíza. Foode, foode, foode. Chuupa, chuupa, chuupa. Gozo, novamente. Elas gozam. Todos gozam.
A inércia dos corpos exaustos de prazer nos levou confortavelmente ao leito, e repousamos feito crianças felizes depois que brincaram horas a fio. Quando acordei, na manhã seguinte, estavam aqueles dois corpos nus, abraçados em mim, eu sentia o calor que emanava deles. Ainda meio atordoado com tanto deleite, a única coisa que me ocorreu foi à certeza de que esse banquete não se encerraria ali. Essa certeza me reconfortou. Apenas uma coisa ficou clara para mim: a Moral criou o pudor para salvaguardar suas criaturas. Os homens inventaram a perversão para se resguardar do seu criador. Elas me ensinaram a perversão. Elas.

(Felipov) 

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ele e ela





A sublimação do desejo copular quando invade o espaço destinado ao pensamento lógico em nossas caixas cranianas, fazem apenas com que os impulsos libidinais sejam estimulados, a imaginação é transmutada em sensações, em ereções, clitóris agitado, em efeito de calor, os batimentos acelerados, o suor instintivo. É apenas veleidade voluptuosa dos desejos carnais procurando as vias racionais para a sua concretização corporal. Essas sensações aborrecem a fantasia dele e dela por conta da distância dos seus corpos. Ele tem saudade de chupar todo o seu corpo. Sentir o seu cheiro de mulher excitada. Sentir o gosto da sua boceta inebriante. Sentir os seus lábios inferiores, grandes e carnudos, na sua boca, e beijá-los incessantemente, ouvir os seus tenros gemidos, gemidos, gemidos da agonia copulante, a sua respiração ofegante, de padecer nos deleites da volúpia. Ele chuuupa, chuuuupa, chuuupa. Enfia o dedo nos seus lábios sedutores, sente a sua maciez molhada e aquecida na língua. Os dedos não são o bastante, tampouco a língua. Cansam-se facilmente. Nada é o bastante para saciar a sua flor carnal. Ela pede mais, sempre mais, exige mais, incessantemente mais e em meio aos seus pedidos, sente entrar ereto e grosso, assente a dureza na sua maciez genital, sente e pensa que não há nada melhor que experimentar aquela dureza em seu ser. Ele entra macio e, ao mesmo, tempo latejante, forte, e saborosamente dolorido. O que se segue é apenas o copular violento. A violência própria da devassidão dissoluta. A luta violenta entre pica e boceta, mediado por diversos tapas, tapas e mais tapas, e vários puxões de cabelo. No entanto, ele não precisa saber, ele simplesmente sente que isso não é o bastante, nunca é o bastante para ela. Nesse movimento copular, ele desavisadamente acerta o dedo no cu. Ela gosta e espanta-se. Surpresa em ver como ele tinha ciência da sua vontade mais recôndita. Ele cospe no orifício anal, enfia de uma só vez. Ela sente dor e prazer a um só tempo e dá um grito suspiroso, e diz: fooodeee o teu cuuu gostosoooo. Ele, vassalicamente obediente: fooode, fooode, fooode. Tapas, e mais tapas.  Fooode, fooode, fooode. Ela grita, fora de si de tanto prazer. Ele puxa seus cabelos, a domina, são dois animais em estado pleno de cio. Fooode, fooode, fooode. Os corpos começam a cansar, mas eles fodem renitentes. Ele diz que vai gozar para que ela sentir o gozo em suas entranhas. Ela deliciosamente sente. Suados, extasiados, moribundos. Ele se inclina sobre ela, rendido. Beija-a costa e a bunda, num sinal de tenro carinho e os dois, deitam-se lado a lado, cansados e satisfeitos, afortunados por terem um ao outro. Ela e ele. 

(Felipov)

domingo, 11 de setembro de 2011

O beco



O conhecido beco do barriga. Ficava no fim de uma rua ainda não asfaltada da parte mais podre do Jurunas. Essas vielas que não merecem o nome de ruas, sem saneamento básico são quase labirínticas, com inúmeras construções irregulares, são puxadinhos sobre puxadinhos, barracos ao lado de barracos, em uma profusão quase infinita de postes de madeira barata improvisados com um emaranhado de fios de “gatos”. Nas suas margens, botecos nojentos que fedem a cerveja choca, cigarro barato e mijo, um cheiro acre de mijo, barracas de jogo do bicho, banca de venda de bombons, cigarros e drogas, muito lixo nas esquinas, crianças raquíticas com buchos cheios de vermes advindos da miséria de suas parcas vidas, brincam de pescar alguns peixinhos que vivem nos esgotos abertos e sem tratamento. Cachorros pirentos guerreiam todos os dias em brigas campais pelo os restos de lixo em putrefação. Esgoto a céu aberto, poeira e calor. Poeira, muita poeira. Calor, de quase enlouquecer. O dia inicia assim no beco do barriga. Essa designação se deve a origem do beco ser advindo do quintal da casa do Barriga. Barriga, apelido das ruas, tinha na sua certidão de nascimento o nome de Tibério Graco da Silva, e tal alcunha se devia ao seu protuberante abdômen cultivado por anos de cerveja e comidas gordurosas – e o seu nome de batismo foi escolhido por seu pai, um semi-analfabeto que gostava de História romana. Altura mediana, visual de bicheiro, com pulseiras e cordões de ouro falso, meio calvo, e dente de ouro. Sempre fedia ao suor do calor constante dos trópicos. Freqüentador assíduo do baile da saudade. Barriga estava na flor dos seus cinqüenta anos, ainda viril e libidonosamente asqueroso em suas cantadas canalhas. Desejava ninfetas, queria carnes firmes e inexperientes, apreciava provar o cheiro e o gosto ainda inocente de meninas se tornando mulheres. Era dono de uma “pousada”, no caso, uma casa grande com vários quartos inadequadamente mobiliados, enfileirados em um corredor longo com um banheiro podre no seu fim. Todos os quartos sempre estavam ocupados. As pessoas se sentiam seguras sobrevivendo ali naqueles cubículos malcheirosos e insanamente quentes. Alvira era uma de suas inquilinas – conhecida como Dona Alvira. Mulher calejada pela vida, de origem nordestina, veio de Natal ainda criança, com a família, fugindo da seca, e devido ao alcoolismo do pai, que lhe violentara constantemente e lhe surrava a exaustão, fugiu de casa e viveu a vida inteira como lavadeira. Adolescente, conheceu Godofredo, que era despachante no porto, apaixonaram-se e moraram juntos. Engravidou. Na noite em que ia dar a notícia, com uma felicidade incontida, recebeu a notícia pelos vizinhos que seu homem havia sido morto em um assalto. Sentiu um dor latente, ficou triste, mas sabia que a vida sempre continuava. A essa altura morava na Pedreira, após o facto, mudou-se para o Jurunas. Precisamente no beco do barriga. Morava a quinze anos no beco. Nasceu-lhe uma menina, Sofia era seu nome – nome roubado de uma das filhas de suas patroas. Sofia era a imagem a formosura em pessoa, seios volumosos, pernas grossas, e uma bunda bastante saliente para uma moça de sua idade. A mãe trabalhava exasperadamente, todos os dias, fazia hora extra, para que a filha se dedicasse exclusivamente aos estudos. Sofia correspondia piamente aos desígnios da mãe, era a aluna mais estudiosa de sua sala, gostava muito de Literatura e História, escrevia muito bem, e aspirava a fazer Direito. Queria ser juíza e ajudar os pobres, seus companheiros de infortúnio existencial. Ficava profundamente incomodada com o assédio dos homens do bairro. “Ei, pretinha, vou te chupar todinha”, “Ah, mulatinha, tua buceta é minha”, “Ainda vou comer teu cu gostosamente, morena”, “Vem cá, vem, que vais levar muito pintada na cara” – eram alguns dos “flertes” que ouvia diariamente nas ruas do bairro. Ela já bloqueava isso espontaneamente – mesmo que sentisse uma sensação muito boa por ser tão desejada. Mas ficava excitada quando Barriga lhe cantava. Ela não sabia a razão, mas sentia-se atraída por aquele tipo asqueroso. Certa vez, na hora do café, Alvira, Sofia e Barriga sentaram juntos na mesa da cozinha para o repasto matinal – isso era incomum. Foi a primeira vez que a mãe havia visto as insinuações do velho Barriga para o lado de sua filha, e, por sua vez, a excitação da filha com os olhares desejosos dele. Não disse nada. Não esboçou qualquer reação. Mas, já tinha a firme convicção do que fazer. Ia voltar mais cedo do trabalho hoje. Sabia que Sofia vinha depois do almoço da escola e ficava à tarde sem fazer nada. Alvira sempre chegava as seis ou sete da noite. Às quatro da tarde, ela chegara ao quarto. Percebe que tem mais alguém no quarto além de Sofia. Não faz barulho, vai até a cozinha e pegar a maior faca. Chega perto da porta do quarto e ouve alguns gemidinhos. Era a certeza que precisava. Chuta a porta e presencia a cena: Barriga está de joelho entre as pernas de Sofia, chupando-a avassaladoramente, e ela gozando, gemendo, com suspiros, totalmente nua e suada. Os dois se assustam. Alvira não deu tempo para a reação dos dois, sobretudo, de Barriga. Deu uma facada seca e forte a altura do peito, para tirar logo o ar. Ela sentiu a lâmina entrar cortando a carne macia e a rigidez das vértebras, e o sangue jorrando ao sair da faca – ela sentiu um mórbido prazer nesse ato. Sentiu-se vingada.  Barriga caiu sentado, sem reação. Ao mesmo tempo, tirou as suas calças e cortou o seu pau e bolas – sentiu novamente prazer. Ainda mais vingada. Barriga ficou atônito, olhando paralisado o seu pau sento cortado, o ar lhe faltava, a vida lhe faltava. Alvira fez apenas uma pergunta para Sofia, que assistia a cena com um olhar de terror, chorando copiosamente, esperando a sua sentença: esse filho da puta enfiou o caralho em ti? És ainda virgem? Ela apenas urrou baixamente: não, não enfiou. Na mesma hora, Alvira apenas mandou Sofia vestir uma roupa e pegar duas mudas. Barriga estava inerte no chão, procurando ar e se esvaindo em sangue, sangue escuro e densamente oxigenado, advindo de uma artéria. Sofia e Alvira foram imediatamente embora, sem qualquer suspeita, do beco do barriga. Foram para a casa de uma amiga sua no Barreiro. Alvira tinha apenas uma idéia-fixa na sua fuga: a vida sempre continua.

(Felipov)

domingo, 4 de setembro de 2011

Ego





Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(Tabacaria – Álvaro de Campos) 



Taciturno, ele segue. Sem pretensões, sem títulos, sem empáfia da douta ignorância. Infelizmente, é um acadêmico – talvez só os acadêmicos entendam o extremo pesar com que digo isso. Necessita estudar, conhecer, perscrutar, mas ignora com toda a sua razão as vaidades, os melindres, os recalques e as auto-afirmações quase inerentes aos acadêmicos – ainda acredita no poder elucidativo da Ciência. Suas questões são sobre a existência, sobre o belo, sobre a desigualdade, sobre a barbárie, sobre a vida sob o capitalismo. Questões com raras respostas. Doutorou-se em Filosofia. Obviamente, é um desempregado que vive de alguns bicos de aula de música. Conspícuo pianista, especialista em Chopin, Beethoven e Villa-Lobos – as bachianas brasileiras são seu favorito. Como professor de Filosofia é um exímio músico – não tem didática. Segue, indelevelmente, cambaleante, hesitante, com quem não quer nada, e não mostra ao que veio, com as suas dores do mundo, com o seu cabisbaixo sentimento do mundo. De raras palavras, não fala de si – não tem o que falar mesmo. Disserta, prolixo, denso e em um tom nervoso, longa e avidamente sobre teorias que elogiam a infelicidade e aspiram um mundo melhor. Ele é um infeliz, e incrivelmente orgulha-se disso. Recusa peremptoriamente o modelo de felicidade pré-fabricada da sociedade do consumo: casamento-família-filhos-carro-carreira-depressão-frustração-40anosperdidosdevida. Hermético e pouco claro. Perde-se nas suas elucubrações sobre a vida – um existencialista renitente. O seu laconismo lhe determina – atos valem mais que eloqüentes palavras. Um ser quixotesco, romântico e utópico. Que sente em demasia a dor alhures. Continua a sua transutância errante, incompreendido e chato. Deveras chato. Uma chatice incompreendida, que irrita qualquer pessoa desavisada. Pergunta-se, por várias vezes, como ainda pode viver em sociedade – acostumou-se a estupidez, a estultícia, a ignomínia, a ignorância.  Inadaptado. Estranho. Extemporâneo. Anacrônico. Distraído. Esquecido. De raros amigos, aqueles igualmente chatos que se vêem como uma extensão dele. Mas são aqueles com quem pode contar, os quais que lhe compreendem, salvo que de maneira parcial. Amores, paradoxalmente, houve alguns. Todos intensos e curtos. Fortes e frágeis. Avassaladoramente efêmeros. Ele acredita no amor, mas o amor não acredita nele – acha-o muito cínico, racional e calculista. Dessas experiências o que lhe restou foi apenas o cinismo. E, igualmente, a certeza da solidão – ou melhor, a solitude. Essa dimensão da condição humana, temida por muitos, pouco compreendida por todos, e sua fiel companheira – sempre. Talvez, já tenha vivido o bastante. E ainda esteja aqui nesta indulgente existência por pura falta do que fazer, ou, melhor, por deliberada teimosia. Grosso modo, este acima parcamente descrito sou EU. Muito prazer.

(Felipov)

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Filosofia



 
 “A filosofia é uma grande putaria das idéias que
 usa os dedos dos conceitos, a língua dos sistemas,
a chupada dos paradigmas
 com o objetivo de foder a vida”

(Punheteiro desconhecido)



Eu detesto filosofia. Ela nada mais é do que uma grande masturbação mental. Uma masturbação de conceitos, teorias, paradigmas, sistemas e teses.  Digo masturbação porque geralmente se pratica sozinho. E pateticamente, se tem prazer com tal exercício. Uma masturbação que surgiu da desigualdade. O tal do “milagre grego” é uma criação advinda do ócio da escravidão. Os cidadãos gregos pensantes, peripatéticos nas Ágoras de Atenas, discutiam sobre a natureza e a razão, o sentido e a origem, as causas finais e iniciais, da arte, da política, da sociedade, da puta que pariu, enquanto uma maioria era submetida às vicissitudes do trabalho compulsório. Uns se masturbam, outros se fodem trabalhando. Platão e a sua esquizofrenia idealista procuram criar um mundo das idéias, perfeito e inteligível, do qual mundo material seria apenas um reflexo imperfeito. Esta forma manca de pensar a realidade foi mais tarde chamada de Metafísica, pelo mais dileto discípulo de Platão: Aristóteles. Aquele mesmo que considerava que a vida brotava da matéria inorgânica, no qual um pedaço de carne gerava espontaneamente larvas de moscas, dentre outras não poucas desprezíveis verdades sobre poética, ética, arte e política, tudo isso baseado na sua teoria das quatro causas do seu peculiar silogismo. A maiêutica ficou por conta de Sócrates. Um dos raros exemplos de lucidez filosófica. Ele estimulava a masturbação alheia com suas questões existenciais. Apreciava bastante interpelar ingênuos mancebos, pois queria ajudá-los em suas primeiras especulações – ele era safadenho. Praticamente, foi ele criou as bases da masturbação ocidental, no qual a maiêutica é seu método por excelência. Porém, esse exemplo de lucidez não deixou vestígios materiais de sua existência, dizem as más línguas que ele era uma criação imagética de Platão. Vá saber, mas ficou o caso de mastubador exemplar. Claro que a masturbação não pararia por aí. Não quero nem falar da patrística – os recalcados que se masturbavam para provar a existência de um ente superior. Simplesmente doentio. Descartes acreditava que a masturbação fundamentava a sua existência – Cogito, ergo sum. Leibniz dizia que era mônoda. Spinoza afirmava de pé junto ser imanente. Hume deseja a experiência concreta, um empirista nato – obviamente, frustrou-se. Enquanto o Kant, o complicado Kant, considerava que podia fazer isso a priori – só ele mesmo. Já que chegamos aos alemães, estes são metidos a masturbadores profissionais. Hegel no seu cinco contra um dialético criou um sistema que era regido em função do Espírito Absoluto. O barbudo barrigudo chegou esculhambando e dizendo que até aceitava a dialética, mas que não tinha porra nenhuma de Ideia, Espírito, Belo transcendente, e que a sua masturbação era com coisas reais, com condições materiais de existências, pois amar e mudar o mundo eram seus objetivos libidinais. O bigodudo do Nietzsche se achava o mais picudão de todos, e ele com o seu Ego do tamanho do meu pau só queria a vontade de potência e ser o super-homem – esse pessoal que se acha é foda. Vou deixar o Freud de lado porque isso viraria uma grande perversão psicanalítica.  O Sartre queria a liberdade. Simone de Beauvoir a alteridade feminina. A Arent era pela política. Os frankfurtianos gostavam de fazer assistindo cinema e peças de propaganda – vendo as sacanagens na grande mídia. Foucault, Deleuze e Guattari queriam desconstruir a modernidade, e, ao mesmo tempo, gozar a pós-modernidade – com o sêmen de relativismo e subjetividade.  E o Fukuyama julgava que tínhamos chegado ao fim da História desta sacanagem masturbativa. Acredito que se enganou. Outros tantos demonstram que essa masturbação é perpétua enquanto tiver mente humana disponível. A propósito, pensando melhor, deixa eu ir ali pensar na vida...
(Felipov)