sábado, 30 de julho de 2011

Cine Paradiso – um lugar da amizade e memória





Alfredo discute de brincadeira com Totó – aos berros e rica gesticulação, bem peculiar aos italianos. Aquele no alto, na janela do Cine Paradiso, e, este, embaixo, no meio da praça, grita: “Alfredo, vai tomar no cu”. Essa frase expressa a profunda amizade entre os dois, sob o signo da franqueza, é que a amizade persiste com o passar dos anos. Por seu turno, é no transcorrer do tempo, que a memória se mantém, nas experiências vivenciadas nas poltronas, nos corredores e na sala de projeção do Cine Paradiso. Estas duas temáticas que avultam nesta película italiana: a amizade e a memória. Os italianos me emocionam – não tenho reserva em dizê-lo. O último filme italiano que havia assistido e me deixou profunda impressão fora “Umberto D” de Vitorio de Sica, que retrata a história dramática do aposentado Umberto Domenico Ferrari, em uma Itália pós-guerra, que se vê sozinho na luta pela sobrevivência, tendo ao seu lado, apenas o seu fiel companheiro: o cachorrinho Flick – não obstante, a experiência humana utilizada como material para o roteiro teve a vida do pai do cineasta, para o qual o filme é dedicado. Com Cine Paradiso não foi diferente em me emocionar e impressionar. O Cine Paradiso é uma das únicas opções de entretenimento situado em uma pequena cidade italiana. Todos os habitantes da cidade deixam suas experiências no cinema. Seja apenas assistindo um filme, sendo este sempre censurado pelo padre da cidade, que assistia os filmes previamente e aquilo que fosse considerado “pornografia” era sumariamente cortado pelo projetista Alfredo, para que o filme pudesse ser exibido, seja namorando, rindo, se divertindo em suas poltronas, entre as suas sessões fílmicas. No entanto, o tempo é inexorável em suas mudanças. Muitos anos depois, o cinema cai em abandono, acaba sendo vendido e transformado em estacionamento. Quando isso acontece, há uma comoção entre os habitantes da cidade. Não raro, nesse mesmo momento, Alfredo morre – o cinema e a profissão de projetista eram a sua vida. Totó, adulto e afastado a muito da cidade na qual havia se apaixonado por cinema, recebe a notícia da morte do seu grande amigo de outrora. Sua partida estava relacionada a um conselho de Alfredo, que lhe sugeriu que procurasse o seu futuro em outro lugar, e que fosse embora daquela cidade pacata e nunca mais voltasse. Totó segue o conselho do amigo, não somente na busca de novas perspectivas, mas também, por conta de uma desilusão amorosa – o grande amor de sua vida viaja e não dá mais notícias. Ele volta à cidade para o seu enterro – agora, como famoso diretor de cinema. Tudo a sua volta relembra as suas experiências naquela cidade. E, ao mesmo tempo, a sua amizade com Alfredo. Totó procura uma explicação do seu afastamento por tanto tempo. Procura saber a razão de ter deixado tudo para trás. O que havia vivido longe daquela província. Procurando, por meio da memória, na verdade, as experiências vividas no Cine Paradiso, como um lugar da memória, um sentido para a sua existência presente. A cena-síntese do filme é o momento no qual Totó recebe um rolo antigo de filme que Alfredo havia guardado para quando ele voltasse à localidade da infância. O rolo nada mais consistia nos cortes de filme que o padre da cidadezinha censurava nos filmes de modo a manter “a moral e os bons costumes”. A música e a intensidade das cenas é avassalador. Profundamente emocionante. Impossível não se comover com esta cena. A cena que expressa o lugar fundamental que a memória/lembranças e a amizade têm na existência de qualquer indivíduo. Cine Paradiso, em alguma medida, resgata essas dimensões da condição humana com um lirismo digno da tradição dos filmes italianos.

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