“Não se afobe não, que nada é pra já”
(...)
“Futuros amantes, quiçá/
Se amarão sem saber/
Com o amor que eu um dia/
Deixei pra você”
(Futuros amantes – Chico Buarque)
Esta é a história de um amor platônico. Portanto, necessariamente, não precisa ter início, e, sobretudo, fim. E, tão pouco, explicação. Chamo-me Ernesto. 30 anos. Historiador profissional. Escritor diletante. Comunista nas horas vagas. Vegetariano não-praticante. Cheguei ontem da Europa – da Inglaterra, na verdade. Fui resolver problemas da tese – para os especialistas de plantão: pesquiso sobre a atuação política da New Left Review. Sou grande admirador do Thompson. E, por sua vez, encontrar um amor platônico. Chama-se Ana. 28 anos. Física. Leitora voraz de Umberto Eco. Fanática pela obra do Hitchcock. Adora Britrock – em especial, Beatles. Chopin e Beethoven. Toca violão e teclado – soube, recentemente, que gosta de Elton Jonh, é, ninguém é perfeito – ela vai me matar ao ler isso (risos). Conheci-a nos tempos de faculdade, nos corredores da universidade. Apaixonei-me ao primeiro olhar.
Nesse tempo, eu namorava. Sabe, caro leitor, há alguns fatos que vivemos que não deixam marca na memória, tenho ciência da contradição que estou dizendo, como historiador, aquele cujo ofício é responsável em fazer as pessoas não esquecerem, analisar a memória e seus desdobramentos sociais, porém, ao menos, no nível individual e existencial, que não está deslocado da sociedade, mas restrito ao foro íntimo, há experiências que não deixam marca e nem saudade, o que é lamentável, pois foi tanto tempo perdido – vendo em perspectiva, o que não deixa de ser um processo de seleção, do que lembramos e esquecemos. Na verdade, nesse caso, não há tempo pedido, não há o que lamentar, e sim, tempo vivido, a vida vivida – tão somente. Foram experiências adquiridas, grãos de areia caídos na ampulheta e vida gasta – sobretudo, vida gasta. Não perco esse meu ímpeto de procurar explicação – sempre digressivo.
Contudo, um dos melhores acontecimentos da minha vida recente foi essa estada na Inglaterra. Fui resolver problemas e encontrá-la. E nos encontramos. Ela era amiga, e depois, namorada, de um amigo meu. Conversávamos, mas nunca lhe dei conhecimento do meu amor, guardava-o para mim – temia a não correspondência. Quando soube do namoro deles, fiquei com ciúme, e parei de entrar em contato com ela. Esquecê-la – e se confirmava a não correspondência. Alguns anos se passaram, a vida mudou, rupturas foram feitas, em muitos sentidos, e obtive notícias dela. Mora na Inglaterra, está fazendo o doutorado em Astrofísica. Trocamos algumas cartas. Avisei que ia à Londres a trabalho. Ela marcou em um pub. De quando em quando, vou a Londres para encaminhar etapas da minha pesquisa e não fazia a menor idéia que ela estava lá – tão perto e tão longe. Lembranças e sentimentos vieram à tona. O amor que havia guardado por tanto tempo veio à tona. Pensei que tivesse esquecido. Mas não, ele estava apenas guardado.
Os “nossos momentos”, expressão que gostei muito, e que ela utilizou, foram marcados por muita ternura, afeto, intimidade e reciprocidade. Em especial, intimidade e reciprocidade – aquela que achei que não existia. Eu, melhor do que ninguém, sei que tais atributos são cultivados com o tempo em uma relação. No entanto, tive a impressão de que estávamos juntos há muito tempo, por conta da forma tão natural que nos entendemos e nos tratamos. Do início ébrico no pub que nos encontramos, do britrock dos bares que ela freqüenta e o fim de noite sentados na praça, em frente ao Big Ben, vendo o tempo passar, rigidamente marcado nos ponteiros do famoso relógio, ao jantar de sopa de ervilha e a sua presença salvando o meu dia ruim, com o suor e as conversas entre lençóis no seu apartamento. Passei um mês em Londres. Um mês em seu apartamento. Foi um mês de felicidade. Espero que os livros e os chocolates de cupuaçu (ela adora cupuaçu), faça-a lembra de todos os momentos que tivemos juntos, bem como de todos os sentimentos compartilhados. O jantar foi algo extraordinário, me senti em casa. Os momentos com ela foram todos especiais, atemporais, sem qualquer medida, só apenas a sua presença importava. O que quero dizer é que nos encontramos, os nossos sentimentos se encontraram – o platonismo se materializou. Ela ganhou, definitivamente, um lugar no meu coração – já que nele estava guardada. É, isso mesmo que estais pensando, caro leitor, sou um sentimental – deveras sentimental. Se tudo aconteceu com rapidez foi porque nos permitimos. Permitimo-nos viver algo tão incrivelmente especial, íntimo e recíproco – embora, ele existisse metafisicamente em mim. Como diz a música que me fazia lembrá-la: “E quem sabe, então, o Rio será”, eu digo que foi – em Londres. E como diz os últimos versos, “Futuros amantes, quiçá/Se amarão sem saber/Com o amor que eu um dia/Deixei pra você”.
Nestes últimos meses, falava que meu coração estava seco e árido, sem sentimentos, mas está estada em Londres, eu deixei, espero, um pouco de amor, o mesmo que já não mais acreditava. Ela era tudo aquilo que procurava. Linda, inteligente, carinhosa, livre, independente, autônoma, doce, atenciosa, compreensiva, voluptuosa, enfim, tudo que o procurava. Eu ia escrever apenas algumas linhas, acabei me estendendo, sempre é assim, a minha prolixidade demasiada. Eram apenas algumas coisas que precisava dizer. Estas singelas coisas. Os nossos momentos. Com início e sem fim. Ou não. Quiça. Não me afobo não.
(Felipov)