quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Jurandir




Já estou vendo os narizes torcidos dos românticos ao lerem esse texto. Ou daqueles defensores da felicidade só existe a dois. Ou que é impossível ser feliz sozinho. Primeiro: o que seria a felicidade? E se ela existe, ou se pode ser alcançada. E qual seria o seu sentido individual ou social. Já estou com a minha péssima mania: procurar explicação pra tudo. Enfim, não é esse o propósito destas tortas linhas.

Queria apenas compartilhar uma constatação óbvia e, por ser evidente, nem sempre é vista: a solidão é sublime.

Meu nome é Jurandir. Tenho 30 anos. Sou funcionário público – inspetor da alfândega; isso mesmo: fiscalizo a vida alheia. Solteiro – obviamente. Moro só – óbvio novamente. Não tenho amigos – idem. Portanto, sou só – como deu para perceber. O que ainda dá sentido para a minha existência é ler, escrever e ouvir música. Cinema e café. No momento, estou fazendo um curso de alemão por correspondência. Tentando acabar uma poesia sobre o amor. Procuro algum lugar para consertar meu toca-vinil – sou colecionar fanático. Estou procurando a relíquia “Matança de porco” do Som Imaginário – quem estiver vendendo, sou um potencial comprador. Parando de fumar. Muito puto por ter comprado um livro de crônicas do Saramago num sebo desses da vida, bem barato, isso mesmo, acredite, ele escrevia parágrafos curtos, e, quando estava lendo hoje, o livro quebra – não há coisa que mais deteste do que livro quebrado. Prontamente, tive que colar com fita durex e cola, senão não ia conseguir terminar a leitura. Estou quase no fim – agradável leitura. Aprecio textos curtos. Adoro ler tomando chá e mastigando bala de gengibre.

Enfim, depois da minha chata digressão sobre mim mesmo – pessoas solitárias são assim mesmo: adoram falar de si – e genuinamente chatas. Antes, sentia-me mal por conta dessa condição. Porém, percebi que é a única condição humana de facto. Admito que não seja uma condição fácil de ser percebida, e de saber lidar. Para tal, é necessário inteligência e reflexão. Saber lidar com a própria solidão é um exercício de pensamento de longo prazo. Para a vida toda. Mas cheguei a essa constatação quando comecei a me sentir só na presença de pessoas – o que já faz um tempo. Paradoxal, não? Mas foi o que comecei a sentir. E depois observei mais atentamente a diferença mínima que fazia na vida destas mesmas pessoas. Quer dizer: eu não fazia falta. Nenhuma falta. Não que isso fosse um problema.

Mas foi um índice importante: eu precisava ficar só. Sobretudo, quando não se faz falta. Naturalmente, isso foi um processo. Mudanças como estas não podem ser abruptadas. Não digo por mim. E sim pelas pessoas. Porque ninguém admite de livre consciência que alguém não lhe faça falta. Isso soa pouco politicamente correto. É necessário ser hipocritamente correto.

Hoje, sinto-me só. E muito bem.

Não ter preocupações com conveniências sociais. Minhas preocupações estão relacionadas a chegar ao horário no emprego – tenho que garantir a minha sobrevivência. O que vou comer no almoço e na janta. O que vou ler – leio cinco livros por semana. Ouvir – até consertar meu toca-disco, estou sem ouvir nada, e isso me agonia. E assistir – às vezes vou ao cinema, óbvio que cine-clube, não há nada que preste nos cinemas comerciais. Constatei, caro leitor, que sou muito mais feliz comigo mesmo. Achei-me na solidão. Sou uma ótima companhia para mim. Cansei das pessoas. Elas são tão estúpidas. Do alto da minha experiência, lanço uma tese: a felicidade, se é que existe, ela só pode ser alcançada na solidão plena e sublime – se tiveres companhia, ela vai te atrapalhar com ciúme da tua felicidade, e vai perguntar por que estais alegre, o porquê desse sorriso na cara, se tens outra etc. etc. etc. Na dúvida: fique só – vais me agradecer o conselho, caro leitor.
(Felipov)

8 comentários:

Nairo Bentes; disse...

A abordagem final do ciúme da felicidade foi fantástica.

Flaneur - Belém do Pará disse...

falas de nós. sozinhos imersos na multidão. muito bom o texto, depois dele ficarei um pouco só...

Juliana Brandão disse...

Vou tentar lembrar desse texto quando estiver morando sozinha em Recife xD

Pagliaccio Alves disse...

Acho que esse tal de Jurandir é feliz porque ocupa todo o tempo do mundo com as excentricidades dele e consegue ser só por passar, possivelmente, de oito à doze horas fuçando a vida alheia.

Ps: Acho subjetivismo um charme.

Ps 2: Belo texto.

Blog da Carlinha M. disse...

Não há quem consiga viver eternamente na solidão.Qq dia ele se mata.

Ana Paula Campos disse...

O problema do Jurandir é que ele nunca superou a falta da garota que apresentou pra ele "a matança do porco". Vem com esta conversa de "sou só, mas sou feliz", desculpa de uma pessoa mto frágil que procura proteger seu pobre coração das fortes emoções...

HAuauHahUUahUAhuAHuaHUAhuAahUHuaHuaau

P.S: me lebrou a música "cara valente" do marcelo camelo =P

Felipov disse...

O Jurandir apenas descobriu a solitude. Alhures, ele é uma pessoa extemporânea. Rara, diria. Porém, nesses tempos pós-modernos, a solidão, por conta do individualismo exarcebado, como desdobramento do metabolismo da sociedade do capital, está sendo produzida em massa, as relações humanas tem sido cada vez mais atomitizadas, verticalizadas e excludentes. O Jurandir não deixa de ser um desdobremento desse processo. Mas ele demonstra o lado que isso tem relacionado com a condição humana. A solidão, ao lado da sua antítese, o viver em comunidade, são elementos indeléveis da condição humana. Ambos são fundamentais para se viver com o Eu e o Outro.

Anônimo disse...

- Só consegui lembrar de duas pessoas lendo: Meu pai e de Elizabeth(eat, pray, love).
Nicoly Uchôa.

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