terça-feira, 5 de outubro de 2010

Simplesmente Maria

O nome dela é Maria – foi só o que ela me disse. Quando perguntei “Maria do que”, ela complementou: “Simplesmente, Maria” – seu hálito tinha um cheiro amargamente doce de café e canela. Nome comum. Religiosamente comum. Que expressa simplicidade, força e virtude. Católica não-praticante, que ama incondicionalmente os avós e os idosos alhures, de personalidade forte, independente e irritantemente inteligente, Maria tem dezoito anos. Mora só, com a sua gata rajada de preto e cinza: a tortinha. Chata e implicante, suas tiradas cômicas e anetodário sem fim tem uma meta: fragilizar auto-estimas. Ela é muito desconfiada e é ávida por ler e escrever. Gosta de ler Sagan e qualquer tipo de literatura científica. E literatura irlandesa, sobretudo, o seu maior expoente, James Joyce. “Ulisses” é seu romance favorito – apesar de gostar particularmente do “Os irmãos karamazóvi”. Escreve espantosamente bem, com caneta tinteiro, alguns versos, mas tem preferência, e esse é seu forte, por textos curtos de uma lauda, de um peculiar lirismo woolfiano com pitadas de Lispector. Otimista quanto à vida e pessimista quanto às pessoas. Sua beleza é incansável. Naturalmente bela. Contudo, ela vê a beleza como um problema. Não o seu aspecto estético. E sim, o fútil, o aparente. Tem um inebriante cheiro de alfazema, sabonete e roupa limpa. É uma comunista renitente, filiada em partido e tudo. Apesar do centralismo democrático e todas as suas implicações, sua atuação política é independente, ela sente a necessidade de se organizar, não que concorde com tudo, pois tem seu próprio e agudíssimo senso de autocrítica. Ela acredita que a sociedade por ser organizada em outra lógica na qual todas as pessoas, a partir de condições sociais mais humanas, possam sair do reino da necessidade e entrar no reino da liberdade; e assim, trabalhar todas as suas potencialidades, podendo ser sapateiro de manhã, médico à tarde e escritor à noite – por exemplo. "Se o homem é formado pelas circunstâncias, é necessário formar as circunstâncias humanamente" – essa frase de Marx guia suas pretensões políticas. É, caro leitor, eu também me surpreendi quando conheci Maria, como pode uma moça de dezoito anos ser tão peculiar, tão madura, tão irresistivelmente interessante e atraente. Sua juventude me deixa confuso, ela é novinha em anos, mas demonstra em seus atos e idéias a experiência própria dos anos de madureza. É de uma juventude madura. Algo muito raro alhures hoje. Ela é rara. Raramente especial. Ela faz Jornalismo. Encontrei-a em um dos cafés da universidade, depois de um dia maçante de aulas e chatices acadêmicas. Ela estava sentada em um canto, sozinha, escrevendo com sua caneta tinteiro e um belo copo de café ao lado. Pedi licença, e sentei-me na mesa. Perguntei o que escrevia. Ela me olhou com os seus olhos castanhos, ajeitando o cabelo que estava no rosto, e disse: “Idiossincrasias que não interessam a estranhos”. Fiquei espantado com a resposta. Mas, repliquei: “Não somos estranhos. Tomamos café” – e levantei o meu copo de café à altura da vista dela. Ela riu timidamente, não esperava a resposta. Começamos a conversar. Tudo o que sei dela foi dito com tanta graça, bom humor e paixão, num gesticular de mãos tão delicado e efusivo, que me encantei de primeira. Encontrei-a ontem. Conheci Maria. Simplesmente Maria.
(Felipov)

1 comentários:

Juliana Brandão disse...

Próximo de completar 20 anos, não chego nem aos pés de Maria. No entanto, uma coisa temos é comum:assim como ela sou "Otimista quanto à vida e pessimista quanto às pessoas." xD

[Tmbm gosto de café, mas pq essa fixação por ele?! Vamos tirar o café um pouquinho desses textos, mocinho? - rsrs...]

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