terça-feira, 30 de julho de 2013

A conversa


I
(TESE)

“Preciso te ver”

“Quem é?”

“Sou eu. Sabes quem é”

“Como conseguiu meu número?”

“Achei que fosse o mesmo”

“Sou sempre previsível”

“Posso te ver?”

“Sim, por que não”

“Hoje. 18h. Ainda moras naquele apartamento?”

“Sim. Não pode ser 19h?”

“Tá bom, 19h”


II
(ANTÍTESE)


“Por que isso agora? Depois de três anos?”

“Precisava te ver”

“Para quê?”

“Por que sonhei contigo e senti a tua falta. Precisava saber o que isso significava. Então, pensei, nada melhor do que uma visita”

“Depois de três anos?”

“Não gostou?”

“Confesso que fiquei surpresa com a mensagem”

“Na verdade, eu precisava me testar”

“Como assim?”

“Primeiro, entender porque senti a tua falta. Depois de tanto tempo. Porque isso não aconteceu antes, só agora. Nada melhor, pensei, seria a tua presença física na minha frente e ver o que isso, o frente a frente, o olho no olho, me provocaria. Ver o teu corpo na minha frente, no teu apartamento, no qual vivemos vários momentos, e saber concretamente quais reações isso me provocaria. Ver a tua vida na minha frente e saber que tipo de repercussão isso teria na minha vida. Eu sei de todos os riscos que estou correndo aqui, sobretudo de trair a mim mesma, os meus sentimentos e a pessoa que amo. Contudo, eu precisava colocar à prova, tudo que considero ser honestidade, lealdade, fidelidade a mim mesmo e ao que sinto”

“E a que conclusão chegou?”

“Sem conclusão. Apenas sei que não vou transar contigo”

“(...)”

“Calma, não é esta vulgaridade que estás pensando. Aquela vulgaridade que faz parte de todos os animais humanos. No entanto, não é apenas isso. Vim testar princípios que me diferenciam destes animais. Vim, principalmente, testar o meu coração”

“Compreendo. Pelo visto, algumas coisas não mudam. Fiquei feliz ao receber a tua mensagem e uma esperança infeliz invadiu-me novamente”

“(...)”

“Eu pensei que as minhas preces tivessem sido atendidas”

“Preces? Não és religiosa”

“Não tens noção das modificações que fizestes no meu ser, no meu interior, no meu pensamento, no meu espírito, desde que nos separamos. Nem lembro mais os motivos de nos separarmos. Enfim, não importa. Nada importa quando foi pretérito imperfeito. Tenho a certeza somente do espaço vazio, tão longínquo, inóspito e gelado quanto a Sibéria, que deixaste no meu peito, no qual eu havia criado um pequeno vilarejo de uma casa só, com uma igreja sem Deus, sem autoridade, sem Estado, ao lado de campos, bosques e florestas pujantes e idílicos duma eterna primavera quando habitávamos tal qual um casal de mujiques e agora resistem ao pavoroso inverno. Me fizeste ver a vida sob outros pontos de vista. Duros, secos, áridos, concretos da realidade dos homens. Ao mesmo tempo, fui invadida com teu modo de sentir o mundo, o qual me encantou imediatamente, duro e doce, amargo e terno, desassossegado e contente, cômico e trágico, convencendo o meu juízo com teus argumentos, acalentando o meu coração entre os teus braços, beijos e carícias. Sabe, por muito tempo, amaldiçoei o dia que te conheci. Mas tenho certeza agora, neste momento, que desfiguro a alma na tua frente. Eu sei que foi o que me manteve viva até agora. Viva no sentido mais legítimo e genuíno e verdadeiro que a vida. A existência de uma pessoa que ainda não sucumbiu diante da vulgaridade do mundo. Eu conheci a vulgaridade, sei do que estou falando. Me livraste dela, sou totalmente grata, porém me ofereceste um remédio sem antídoto, sem medida, sem volta. Perguntaste de prece. Então, toda vez, quase sempre, não sei, que a saudade apertava, devotamente ia até a igreja sem deus fazer preces para que a primavera voltasse, rogava para que outro habitante fosse digno de morar naquele vilarejo, ou que o antigo dono regressasse. No entanto, nunca obtive resposta até receber aquela mensagem”

“(...)”

“Fico feliz em saber que estás feliz e amando”

“Sim...”

“Espero que teu teste tenha terminado”

“Sim...”

“E o teu coração?”

“Sente que errou”

“É muito tarde”

“Eu sei...”


III
(SÍNTESE)


“Fique tranquila. Volte em paz para os braços da sua amada. Seu senso de dignidade foi testado e aprovado. Seus princípios são irrepreensíveis. Esta conversa, na verdade, este tipo de conversa, é fundamental para esclarecimentos e avaliações. Além do teste, tenho certeza que fizestes uma avaliação. O que acaba dando no mesmo. Eu também fiz a minha avaliação, com extraordinários esclarecimentos. Sinto que os fardos da tua ausência foram aliviados de maneira definitiva. As correntes que me prendiam foram quebradas. Vejo o remorso que estás sentindo agora. Que teu coração sente. Por ver, pessoalmente, que mudei. E é visível no teu olhar o arrependimento. Este era o verdadeiro teste, ver a mudança. Este é o último contato, não me procure. Enfim, a conversa acabou. Abra definitivamente seu coração nas mãos da amada. O meu definitivamente fechou”.



Não há pior barulho do que um coração que se fecha. 

2 comentários:

henrique disse...

BRAVO!!!!QUE,TESTE COLOCANDO Á PROVA O CORAÇÃO.

Anônimo disse...

Ridículo a forma como escreves, um tanto egoísta e narcisista. Um esquerdo macho. Essa mulher teve é sorte de você ter ido. Não lhe conheço, mas espero que tenhas mudado.

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