quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
Elogio ao Amor, Solidão e Velhice – a condição humana fantástica em García Marquez.
A descoberta de García Márquez fora tardia. Ainda bem que tardia do que nunca ter compartilhado das experiências humanas profundamente complexas dos seus personagens tão reais que acabam, por seu realismo, ultrapassando esse frio plano material, e se desdobrando em algo fantasticamente real. O realismo fantástico da condição humana. Não somente aos aspectos que sua literatura tem de universal ao tratar da condição humana, e sim, sobretudo, os desdobramentos específicos que ela toma em terras sul-americanas. Tenho a vaga impressão que em seus escritos, Gárcia Márquez, mesmo em meio à pobreza e a miséria que aflige a população do continente, procura apresentar elementos que facultem uma identidade sul-americana, uma identidade do “triste trópico”, com personagens fortes, autônomos, senhores do seu destino, que se movimentam em uma realidade profundamente desigual e politicamente corrupta. Uma identidade que valoriza o vigor da vida que caracterizar os sul-americanos, a intensidade de viver o amor que se perder no tempo e que burlar as conveniências sociais, a solidão ternamente vivida e da qual não se pode fugir, não se tem uma segunda chance, quando se tem consciência dela, e, por fim, a senilidade, como fase da existência plena de possibilidades e vida, uma fase de síntese entre amor e solidão. Neste breve texto queria expressar minhas parcas impressões sobre estas três dimensões da condição humana que na obra do escritor colombiano tem lugar de destaque: o amor, a solidão e a velhice.
Em “O amor nos tempos do cólera”, García Márquez faz o elogio ao amor.
O amor intimorato e impávido de Florentino Ariza por Fermina Daza. Um amor que nasce do ímpeto avalassador de um olhar trocado ao acaso, do modo peculiar como surgem às paixões – “na bruma leve das paixões que vem de dentro” como diria Alceu Valença. O amor dos tempos da juventude, inicialmente correspondido, nas copiosas cartas de amor e os encontros furtivos, depois desprezado, e visto como “ilusão” por Fermina Daza. O casamento dela com Juvenal Urbino. O amor de Florentino continua forte e renitente. Entretanto, ele se resigna ante a impossibilidade moral. Diante da resignação, surge uma profusão de paixões menores. A vida continua e seu amor prevalece depois cinqüenta e três anos, sete meses e onze dias com as suas respectivas noites de espera.
Contudo, chamo a atenção para algo central na trama: a concepção de amor que lhe é subjacente. Ela é contestadora e conservadora de um só tempo. Florentino Ariza consegue ser monogâmico no seu amor ideal, quase platônico, por Fermina Daza. Mas, ao mesmo tempo, prolixamente promíscuo nas suas inúmeras aventuras amorosas que se perdem na memória. García Marquez nos mostra essa concepção de amor, num binômio, que, aparentemente, pode parecer contraditório, mas, que na história, é profundamente rico, complexo e contestador: como pode um homem promíscuo ser fiel ao seu amor ideal monogâmico? Portanto, essa concepção de amor monogâmico-promíscuo, a meu ver, apresenta a complexa condição humana, principalmente, no que diz respeito aos sentimentos amorosos. Sobretudo, com essa definição: “tinha que ensiná-la a pensar no amor como um estado de graça que não era meio para nada, e sim origem e fim em si mesmo”.
De repente, não mais que de repente, vem a solidão. A saga solitária da família Buendía de “Cem anos de solidão”.
Macondo, aquele lugarejo com vinte casas toscas feitas de barro e taquara, praticamente fundado pela ação pioneira de José Arcadio Buendía e, a sua mulher, Úrsula Iguarán, quando “o mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo”. É este o lugar no qual se dá a existência desta família. Uma existência idiossincraticamente peculiar. Na verdade, a vida de Macondo se confunde com a vida dos Buendía. Família tão peculiar que se perde em sua árvore genealógica de tantos Josés Arcadios, Aurelianos, Aurelianos José, Arcadio. Estes são homens, que de alguma forma, pelo nome, tentaram perpetuar os Buendia sobre a terra – não conseguiram. E as mulheres, comandadas por Úrsula, são menos profusas nos nomes, mas não são parcas em sua altivez e gênio – claro, eram Buendía. Macondo se transforma, cresce, estagna, vive catástrofes – como a chuva torrencial de meses e a guerra entre liberais e conservadores, ou mesmo a ação exploradora da empresa americana usurpando às riquezas da região, sobretudo, a banana – sob a ação dos Buendía. Os momentos de prosperidade e riqueza, bem como de pobreza e escassez vivenciados pela família, são compartilhados pelo vilarejo – que a certa altura da história já era cidade, com a rua dos turcos, hotéis, igreja, prefeitura e todos os elementos que dizem respeito às ditas sociedades civilizadas.
No entanto, García Márquez com o transcorrer da história vai definindo uma especificidade dos Buendía: a solidão. Sempre um dos seus membros assume o protagonismo da família. Um protagonismo solitário – mesmo no ambiente familiar. Com alguma resignação, a solidão é vista como algo indelével da condição humana, na qual os personagens acabam se encontrando e vendo ou reavaliando o sentido de sua existência. A solidão, desse modo, aparece como algo associado à existência humana, que na história, assume contornos fantásticos, por conta das idiossincrasias dos Buendía, tão atípica, que desde o seu surgimento, a sua extinção já estava predita nos escritos de Melquíades, que dizia “o primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore e o último está sendo comido pelas formigas”, não obstante, na derradeira parte da história, quando o último membro vivo da família, Aureliano Babilonia, decifra os pergaminhos de Melquíades e percebe que “tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra”. A resignada condição de quem descobre a solidão – de quem descobre a si mesmo.
Por fim, depois do amor e da solidão, tem lugar a senilidade em “Memória de minhas putas tristes”.
“No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem” é assim que o narrador inicia a história. Um velho solitário, aposentado, que ministrava aula de gramática nas horas vagas e escrevia toda a semana uma crônica para o jornal da cidade, que se auto-define como “feio, tímido e anacrônico”. Solteiro aos noventa anos, nunca casou. Quando perguntado o porquê disso, dizia, sem pestanejar: “as putas não me deram tempo para casar”. Em verdade, era um libertino, que sem ressalvas, orgulhava-se de saciar o seu prazer pagando. Todavia, começa a se dar conta, a ter consciência de sua velhice: “desde então comecei a medir a vida não pelos anos, mas pelas décadas”. Assim, no seu nonagésimo aniversário, decide dar-se uma virgem de presente. Um virgem de quatorze anos. Algo que parecia ser corriqueiro para um libertino, vem à surpresa: apaixona-se, no fim da vida, avassaladoramente por ela.
No início, sente-se rejeitado, e sofre perdidamente de amor por aquela pequena. O ciúme o consome. Chega um momento a decidir-se pela desistência deste amor impossível, impossibilitado por décadas de distância. Entretanto, Rosa Carbanas, a dona do bordel da cidade, com quem ele encomendou seu presente de aniversário, é bastante enfática ao dizer: “não há pior desgraça que morrer sozinho”; e depois, “não vá morrer sem experimentar a maravilha de trepar com amor”. Desta forma, ele se dá conta da correspondência, nas palavras da mesma Carbanas: “essa pobre criatura está zonza de amor por você”. Ao fim, com a alegria própria da velhice, em García Márquez, sentencia: “era enfim a vida real, com o meu coração a salvo, e condenado a morrer de bom amor na agonia feliz de qualquer dia depois dos meus cem anos”.
Portanto, a condição humana, sob a ótica fantástica de García Márquez, assume na velhice a síntese dialética entre a tese-amor, a antítese-solidão, gerando a síntese-velhice. Esta última feliz no amor e consciente da solidão. Mas, como disse, são apenas as minhas parcas impressões.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Respirar
Estou ofegante
te procuro
perscrutando
sentindo
no ar
o teu cheiro
a tua essência
a existência
insustentável
na leveza
do teu ser
ausente
que não vejo,
não pego
mas, sinto
apenas sinto
em tons oníricos
(Felipov)
Deveras racional?
“Eis aqui um que não fará grande carreira no mundo. As emoções o dominam”
(Dom Casmurro - Machado de Assis)
Desde quando se sente alguma coisa pela razão?? A razão não sente, ela simplesmente raciocina por uma lógica excludente de possibilidades limitadas. A razão é instrumental e fria, sente pouco, portanto. É assim que razão trabalha, por aquilo que é vislumbrável pela experimentação e observação obtusa do observador que procura possibilidades, probabilidades. Nem tudo é provável pela ótica do racional. A vida não se conduz assim. Ao menos, não em sua totalidade. A vida é perene e plena de possibilidades que fogem a nossa forma ocidental-racionalista de apreender a realidade. Claro que sou racional, óbvio, que todos devemos ser. Mas não em demasia. Os sonhos não são racionais. O inconsciente idem. Os desejos, sentimentos, anseios e sublimações. Eles apenas sentem. O que seria do amor e da paixão se fosse racionais, seriam apenas uma equação da qual com algumas somas e derivadas, teríamos um resultado exato e racional, em todas as suas limitadas conjugações lineares. Antes de pensarmos, sentimos. Melhor: pensamos e sentimos a um só tempo. Alguns pensam demais, outros sentem em demasia. Admito, sou daqueles que terão uma parca carreira no mundo, minha racionalidade é demasiadamente sentimental.
(Felipov)